11.8.12

Os Círios de Dornes



Agora que somos quase chegados a Santa Maria de Agosto , evocamos outra festividade da Senhora em terras templarias. Dornes com sua torre pentagonal,sentinela sobre o rio Zêzere... Todos os Domingos, da Páscoa a S.Miguel em Setembro,  ali chegaram a ir  cerca de quatro dezenas de freguesias, algumas de mais de uma vintena de léguas de distancia...Hoje vem de camioneta; cada povoação com o seu pendão ou cirio com o nome da localidade, representando a promessa antiga e colectiva à Senhora do Pranto.
O compromisso pode ser cumprido apenas pela respectiva confraria em nome de todos.( Em Lisboa no cirio da Senhora do Cabo, vai ela desde o santuário visitar rotativamente as povoações...por mais cómodo)... Por vales e por montes,lá vão os romeiros(antes a pé ou de carroça) com seus cânticos ao Bendito e à Senhora,fazendo o percurso sinuoso até à entrada na vila, marginada pelas cruzes da Via Sacra. Há tambores e música e foguetes, à sua chegada ao Outeiro a pé.
Os romeiros sobem ao monte sagrado para estar mais perto de Deus, para que melhor ouça suas preces...desde sempre os cultos se associaram a lugares altos ou agrestes. Segue-se a missa com sermão,no alto da escadaria, mas fora da capela ao ar livre,por não caberem todos lá dentro. Durante a missa ou no final há a entrega dos votos ou paga das promessas no altar colocadas: velas,muita cera lavrada,ao Santuário: pés, mãos, troncos, formas humanas ,por graças recebidas. Antigamente seriam sacos de trigo e outros frutos da terra... Daqui segue a procissão solene com volta á povoação com a imagem da Senhora. Na procissão com seus pendões erguidos vai o padre sob pálio,os andores com os santos levados pelos confrades com suas opas vermelhas, uma mulher com açafate à cabeça com as oferendas em pano de linho lavrado,e finalmente os fieis em cânticos.
Depois terminada a volta á vila, espalham-se os romeiros pelo outeiro e sob as olivas ou à beira do Zêzere abrem os seus cestos de farnel e comem e bebem colectivamente.



Recuando ao seculo XVI : Naquele tempo Dornes era uma comenda agrícola com muitas oliveiras e vinhas,onde havia 3 adegas da Ordem-talvez fazendo jus a seu nome-com Paço de cavaleiro de Cristo, rodeado de pomar e muros, que os vizinhos deviam reparar e cuidar quando necessário.A Virgem era pranteada (contra as pragas na agricultura) com bodo anual, 15 dias após a Páscoa, em procissão que ia até a Senhora da Orada, havendo aí jantar de confrades. (Também se ia à ermida de S.Pedro de Castro noutro outeiro próximo sobre o Zêzere,onde ainda no seculo XVIII acorriam milhares de fieis que ai deixavam ex-votos sob a forma de singelas e belas tábuas pintadas de caracter religioso,onde se anotavam graças e milagres recebidos).
Recuando às origens, consta que em finais do sec.XIII (1285) um ermitão que virou santo,de seu nome Guilherme, encontrara uma imagem da Virgem nos Albardães, depois de escutar por ali na serra uns suspiros e ais...E sendo a rainha Isabel ,um dia avisada por Guilherme (de Pavia),ali apoiou a fabrica de uma capela. Mas quem era este Guilherme? Por sua ascendência (vide anexo) pensamos que provem da união de 2 famílias- os Cogominhos e os Pavias- por casamento neste século XIII de Maria Fernanda Cogominho e Vasco M.Pavia. Esta união é sugerida mesmo pelas primeiras armas da vila: escudo esquartelado com quinas e leões alternados: sabendo nós que o leão pertencia ás armas dos Pavias e as quinas referindo provavelmente a série de 5 chaves que figuram no escudo dos Cogominhos. Num dos angulos da Torre pentagonal aparecem gravados numa pedra duas siglas semelhantes às chaves do escudo dos Cogominhos.



Por outro lado , o ramo Pavia - italiano - deve ter influenciado os cultos locais. Efectivamente neste século XIII foram compiladas no norte de Itália(Pisa,Cortona) pelos franciscanos, várias laudes ou composições de carácter popular, cantadas pelas confrarias entretanto formadas nas diversas procissões e representações comuns na época. (Aliás a presença franciscana na nossa região nesta década prova-se documentalmente).
Uma das laudes mais célebres e influente foi o Laudário do espiritual Jacopomo de Todi, que viria a servir de modelo mais tarde á composição pelo dominicano português André Dias do seu Pranto de N.Senhora das Dores em 1435,destinado a ser cantado pela confraria do Bom Jesus em Lisboa, no qual a Virgem canta e chora longamente a caminho do Calvário em melodia triste.
Ora, considerando a reconstrução da igreja de Dornes por D.Gonçalo de Sousa em 1453 e tendo em conta que G.Duby fixa a primeira representação da Senhora com o filho morto nos braços em 1419 e sabendo nós que a imagem escultórica,em madeira policromada,existente en Dornes, é comum a muitas outras que pela mesma época foram saindo da Escola Renascentista Coimbrã ;  de todos estes pontos podemos concluir que foi neste século XV que tudo se fixou aqui na forma actual. ( Também no Cirio de Almargem à Sªdo Cabo,se cantavam laudas)...
 Antes, já os judeus da Diaspora habitavam há muito ao longo do Zezere nas Beiras(desde Belmonte) buscando cultuar a Deus junto dos rios que eram próprios a sua tradição...aqui há referências a um S.Jordão , a um loco de Gericó e um lugar chamado de Judiaria...E sabe-se que têm um fundo comum em suas tradições,com os lamentos sírios importados para as Hespanhas ... Assim os suspiros e ais ali ouvidos antes ( o seriam de facto) como reminiscência de tais cultos naturalistas,antes de cristianizados...Talvez memoria dos prantos celebrando em Junho a Adonis,que morre e ressuscita todos os anos,o deus vivificador do trigo...S.Jerónimo presenciou-o e relata-o entre os gentios da sua época...Entre nós na vizinha vila beirã de Monsanto,nas procissões nocturnas da Semana Santa,mantém-se a existência do coro pranteador dos Héus,assim mesmo chamado...Tal como no Fundão (as 3 Marias do Héu) ..a caminho da comenda templaria de Castelo Branco...