26.11.23

O Alfa e o Ómega do último mestre templario em Portugal: Dom Vasco Fernandes!


 No  VII centenário  de sua passagem para a Glória, apresentamos o Alfa e o Ómega do último mestre templario em Portugal: Dom Vasco Fernandes  !  

O Monumenta Portugaliae Vaticana (vol II)*1 refere a paginas LI (51) um Gonçalo Fernandes como irmão de D.Vasco Fernandes (último mestre do Templo) , presente com o irmão numa assembleia em Lisboa a 30 setembro de 1318 presidida pelo bispo Dom frei Estêvão, onde foram tiradas públicas formas de várias cartas régias sobre  bens dos Templários, atestando a autenticidade dessas cartas.

  Ora encontramos nas Inquirições régias de 1258, um nobre (filho de um cavaleiro)  Gonçalo Fernandes (do Templo*2) , com origem em Entre Douro e Minho , tendo sido criado na paróquia de Santa Cristina de Serzedelo, (Ribadave).  

A igreja de Santa Cristina de Serzedelo -igreja românica com túmulos  desde sec XI - terá pertencido aos templarios, sg Jose Antonio Almeida ,1976. E a freguesia era couto de Palmeira sg P. Carvalho da Costa (tomo I, pg 238), sendo Palmeira*3 uma familia de ascendencia galega cf. Jose Matoso . 

 A Ordem do Templo começou pois em terras do norte,  junto a vias de acesso a Compostela. Implantado a norte e a sul do Lima, como sentinela, segurança dos peregrinos ( in Ordens militares entre Cavado e Minho , de  Ricardo José Barbosa da Silva, 2016). Exemplo: a comenda de Rio Frio em terras de Valdevez , muito antes de qualquer outra Ordem...  

Não faz portanto sentido, derivá-los a este e a seu irmão Vasco para originários do lugar de Tavra em Santarém, apenas porque este na data de promoção a mestre (8 Abril 1265) recebe para a Ordem  3 courelas de terra no referido lugar – como faz R.Nobre *4 (2022), sem encontrar sua georeferência: porque se trata de  um lugar  ficticio , a partir de uma corruptela  de Campo de Trava, este sim real na época, como se pode  ver em Alice Lázaro, historiadora local (2013)*5 .  Também não colhe a referência que atribui aquele locativo/apelido a um documento papal de agosto 1321, ”Tavra, lugar que o papa João XXII associaria ao nome do mestre Vasco Fernandes”,  porque de facto tal não  se encontra no dito documento (assinalado  em pag LII a LIV)  , de Monumenta Portugaliae Vaticana (por Nobre , na pag  114 ) !

  De facto o que se passa é uma doação ao Templo em abril de 1295 feita por Don Martin , aio do infante Don Afonso e mordomo da rainha dona Isabel de Aragão, de 3 courelas de terra no valor de 17 estis, que este havia anteriormente comprado em Santarém no lugar grafado  de "Tavra” a Maria Ramires.  

Como diz a historiadora natural da região, A.Lázaro, havia na época uma grande apetência por parcelas de terra no campo(paul) de trava , por parte de todas as igrejas e conventos (Pag 56 do seu livro).  

Era do Tejo que derivava a riqueza destas terras da leziria , pq as cheias dele traziam os nutrientes que faziam a sua fertilidade.

   Assim há noticia de uma venda de uma porção de terra na Trava em 1243 por parte de santa Maria da Alcaçova, seguem-se no referido livro: 5 documentos que apresentam aquela corruptela (Tavra em vez de Trava) a par de outros com a grafia correta. Enumerando e demonstrando , ei-los:  

1-a colegiada da Alcaçova :  em 1361 empraza uma quinta onde se chama Tavra ,                             2-tb em 1374 uma vinha em Tavra, pag 57.

  3-convento S.Clara: dote (de noviça ) da quarta parte de 1 herdade em  Tavra e bens,  pag 62. 

 4-Almoster/convento:  1267 escritura de venda de uma herdade onde chamam a Tavra,                     5-outra em 1301: uma doação de herdamento em Tavra,  pag 65 .

  Ora subsiste na toponímia de campo de trava com a designação de Comenda , uma propriedade que foi da Ordem de Cristo , nota 42 , pag39 do livro.  Trata-se de uma herdade aqui desde os primeiros reis , na freguesia de Vale de Cavalos (pag 122) /Chamusca, dedicada a agropecuária e criação  de cavalos. Na Trava portanto a  partir  de doação à Ordem do Templo. 

Em sua vizinhanca tem a Quinta do Meirinho (vide carta militar 353)-doada por Don Sancho ao Templo. Tb a igreja de Salvador tem um casal além do rio no campo de Trava aos Meirinhos (in Tombo da igreja de Salvador de Santarém, Manuela Mendonça, 1907).  

Também a Ordem de Santiago tinha aqui na leziria terras confrontando com as do Templo (na Lagoalva)em 1287.  Até os gafos dispunham de uma almuinha no campo de trava (1260) sg Maria Angela Beirante , Santarem Medieval, p126.

  E sempre omnipresentes as  propriedades régias na Trava,  desde Dom Sancho a Dom Dinis, passando por Dom afonso IV  que  obtem terras no paul de trava por escambo e  Dom joao I em 1388 que toma posse do paul de trava e outros . Trava mantém posse real em 1561 e as igrejas mantêm ali  presença através  dos dizimos,  sg. Francisco Martins in artigo "Vale de Cavalos/ Chamusca  .  

                        ( Campo de Trava )


 A origem de uma parte do povoamento do campo de Trava é vinda do norte desde a galiza, norte de portugal e beiras. Polo de atração,  a  estremadura tagana. Zonas férteis atraem novos povoadores, vindos da região minhota em excesso de população.  Os galegos continuam a chegar à corte portuguesa e a fazer aqui boas carreiras( sg Matoso). Há alianças entre as principais linhagens  portuguesas e a nobreza galega: familias de ascendência galega , os Barbosa, Soverosa e Palmeira. Tb se lhe juntam jovens nobres vindos do norte (  pag 248 , Livro de J.Matoso, Infanções ).   

Também o caso do nosso Gonçalo Fernandes, criado (em amádigo*6 )  por Martim Soares , possivelmente um trovador português, entre 1220 e 1260 natural de Riba de Lima, onde testemunha documentos em 1220 e1240, que pertenceria  a uma família da pequena nobreza, eventualmente os Ribeiro, sg.José Augusto Pizarro(1999 )in  Linhagens medievais portuguesas. Foi casado com Maria Soares, dona de Santarém, região onde parece ter-se fixado posteriormente. 

 Eventualmente terá  sido próximo do magnate e trovador D. João Peres de Aboim (sg. Azevedo)  fidalgo de origem de Aboim terra da Nobrega---mordomo de Afonso III, trovador, tb com terras en Santarém e sul Portel. Tinha casas en Santarém, vinhas na Valada, leziria de Alcoelha e um escambo em Toxe. 

 Nos inquéritos ordenados por Dom Dinis pós-Templo, e feitos por João  Paes de Soure em1314 em C.Branco , secretariado por João Martins de Montalvão, tabelião : ali Martin da Redinha afirma que  o mestre Dom João Fernandes fez freire um sobrinho que era galego (anos 80, sec XIII). E era mui comum na Ordem serem freis tios e sobrinhos. Daqui concluimos pelo apelido , ser um Fernandes, Vasco: depois tb mestre. (Vide tb outros casos , como os Barretos).  

Ora   como adverte Manuel Silvio Conde, as populações das margens do Tejo designam geralmente como galegos as gentes vindas do norte entre Douro e Minho ou da Galiza ; o mesmo afirma ser prática comum na época medieva , Isabel Morgado,( MOA n°1, pag 73).  E a uma distância de 60 anos a maior parte de locativos dos povoadores teria desaparecido ...(convertem-se em apelidos ? )  cf. Livro da Estremadura de Pedro Barbosa!  

Contudo a presença em Santarém de elementos vindos diretamente da Galiza mesmo no sec XIII pode ser bem real ainda que pontual : Assim a 18 maio 1285 em Santarém várias testemunhas presenciam uma carta de treslado em que o alvazil de lisboa, Don João Pires, doa à  Ordem do Templo 2 tendas na rua dos Mercadores,  freguesia de Santa Maria de Marvila, da vila de Santarém e uma vinha na Valada. Sendo presentes além dos comendadores de Pombal , Fonte Arcada ,Castelo Novo e Ega , dois comendadores da Galiza : Lopo Rodrigues, comendador de Faro (La Coruna) –a maior comenda da Galiza e Rodrigo Pais , comendador de Ponferrada !  

Diremos que continua uma união mística à volta do apostolo compostelano : A  Igreja de Santiago, única que fica ao Templo no sec XII em Santarem (depois da doação de Ceras), a calçada de Santiago junto ao castelo de Tomar e a concha de S. Tiago na torre de Santa Maria dos Olivais. Também a norte: Santiago de Candoso no municipio de Guimarães (junto à terra onde Gonçalo Fernandes  foi criado) , igreja de Santiago em Coimbra (com influências de pedreiros da Galiza) e...Montalvão que o rei Dinis doou a sua irmã infanta Dona Branca , vivente no mosteiro De las Huelgas, em pleno  Caminho, em 1313  - doação vitalicia.   (Morre em 1321, regressando ao rei o lugar até 23).Ver chancelaria de Don Dinis,  livro III.  

Acerca das influências compostelanas presentes na lápide tumular,  única  possivel de atribuição ao mestre Vasco Fernandes na igreja de Montalvão:     Primeiramente apresentamos a heráldica dos Fernandes segundo a imagem do livro do Armeiro-Mor (de 1509 a mando de Dom Manuel,  por João de Cros )   onde se refere Diogo Fernandes , nobre galego, conde de Portucale ,  sec XI e sec XII, conde de Guimarães, onde estão  presentes as vieiras . 



 Quanto à lápide de Montalvão –onde descansa o mestre segundo as crónicas- anotamos que o hexafolio ao centro, está presente em várias  cabeças de sepulturas medievas em Tomar .

Quanto às vieiras : são o simbolo de um peregrino que regressa a casa do Pai , a Compostela- campus stella- campo de estrelas (ou via Lactea, a que todos pertencemos, com a Terra) – Dom Vasco Fernandes, companheiro de lutas com Dom Dinis e de  processos de paz: presente nos acordos de Alcanizes com o rei....(tb dona Isabel de Aragão tem um bordão no túmulo)...na época, o fervor da viagem!  

Notas  

N*1- Monumenta Portugaliae Vaticana  ( Registo de Súplicas papais) de António  Domingues Costa  1968 ,  in Internet  Archives .

N* 2  - Gonçalo Rodrigues de Palmeira , primo do conde de Trava, recebeu de Afonso Henriques  ( foi seu mordomo mor) o couto de Palmeira no Entre Douro e Minho.  Fez doação do couto ao mosteiro de Landim em 1177.  

N*3 - Gonçalo Fernandes –nos anos 53 testemunha em vez do mestre  desse tempo uma escritura em que o comendador  de Mogadouro e Penas Roias dá carta de aforamento a moradores de Parada, nos anos 61 foi comendador em Tomar , tenente de Vasco Fernandes em 1306, comendador de Almourol,Nisa e Rio Frio  em 1307. A rotatividade dos comendadores é um dado adquirido. 

 *4 - R. Nobre , in " A Ordem do Templo em Portugal, homens, património e poderes,  2022.

 *5- Alice  Lázaro, ribatejana ( falecida em maio deste ano) autora de " O Campo de Trava  no termo de Santarem",  2013.

*6- Amádigo  : criação de filho de fidalgo , para obter benesses ou honras.

 A finalizar anotamos ainda semelhanças ou influências nos brasões dos Trava da Galiza e da leziria do Tejo (mais própriamente em Benavente na companhia das Lezirias: 5 travas na Galiza, 2 travas em Benavente ( simbolizando o pear dos cavalos)...sg:  A.Matias Coelho,  2012. 

Obsv: Nomes semelhantes ,ocorrem  antes e depois - um Vasco Fernandes  (de Soverosa) ,filho de Fernando Peres Cativo,  mordomo do infante Dom Sancho I em 1176 e  um Vasco Fernandez, cavaleiro da Ordem Cristo em 1535 testemunha e com casas em Santarém. Como avisa Jose Matoso : dado que os nomes destes fidalgos são mui correntes na época, torna-se dificil distingui-los de seus homónimos (e estabelecer sua genealogia segura, acrescentamos nós).

25.7.23

A Madalena única e original de Montalvão

 


No sábado , 22 de julho em Montalvão realizou-se a sessão  evocativa do VII Centenário do óbito do último mestre da Ordem do Templo , Don Vasco Fernandes, falecido em 1323, enquanto comendador da O.Cristo em Montalvão. O  primeiro Orador foi Joaquim Nunes, presidente da Associação Cultural Templ'Anima de Tomar, e membro do Conselho de Administração da TREF , que fez a evocação de Maria Madalena,  a Apóstola, segundo a nova nomenclatura do Vaticano e aqui presente em imagem original e única  nesta igreja de  Montalvão, sendo hoje o seu dia litúrgico. Segue-se o texto completo dessa intervenção. 

Bom dia , chamo-me Joaquim Nunes, venho de Tomar, onde sou presidente da TemplAnima , uma associação cultural pró-templaria e sou tb membro do Conselho da TREF ou seja a Federação da Rota Templaria Europeia, 

Ora bem , vou iniciar a minha Apresentação falando de porque aqui estou para desenvolver o tema de  Maria Madalena :  

Tudo começou em 2016 DC: naquele tempo fui convidado juntamente com outras pessoas pelo montalvense eng.Luis Goncalves Gomes, na ocasião dos trabalhos de melhoramento desta igreja matriz , para observarmos as lápides visiveis em seu solo na demanda de vestigios da sepultrura do último mestre da Ordem do Templo , passado a Ordem de Cristo e aqui referenciado  segundo as cronicas.Desse mestre falará o próximo orador: a mim o que me suscitou desde logo enorme atenção foi a imagem de SMM aqui presente!

Pela sua originalidade e raridade: ostentando um livro dos Evangelhos na mão esquerda, tão perto da concepção primeira do cristianismo primitivo de um Hipolito de Roma (170 -236) bispo e teólogo,  que a apelidou de Apóstola dos apóstolos e tão longe da  imagem de uma Madalena pecadora como eu a conhecia em Tomar com um vaso de óleos aos pés.

Acontece ainda que há apenas 4 meses antes o papa actual Francisco a redefinira como Apóstola pela primeira vez , o que a coloca(va) no centro das atenções desde logo...assim, comecei a pensar numa oportunidade para expor as 2 Madalenas,  esta e a de Tomar, lado a lado em confronto pedagógico de versões: tal veio a acontecer em 2019 na igreja templaria de S.Maria dos Olivais em Tomar aonde a imagem se deslocou (por 3 dias) acompanhada por seu pároco  que a apresentou ao pároco local , o saudoso Padre Mario,  entretanto falecido por doença , que falou dela a seus fieis no fim da missa de domingo, aconselhando a ir ver a bonita imagem





Junto ao altar onde foi exposta encontrava-se um texto abordando o tema

Quem foi S.Maria Madalena ?    

Nascida em Magdala, cidade piscatória da  costa ocidental do Mar da Galileia, teria cerca de 20 anos quando conheceu Jesus , que ronda os 25 , segundo Bruce Chilton (prof.Religião,Univ,Yale,2006). Seria de familia abastada ,por sua independência e bens com que auxiliou os apóstolos.(Lucas, 8,3). E foi uma das discípulas mais  amadas de  Jesus , acompanhando-o para todo o lado : é citada nos 4 evangelhos como uma das que lhe ficam fiéis  até ao fim, aos pés da cruz  sendo a 1ª testemunha da Ressurreição. “Uma mulher conhecida por ter amado Cristo e por ter sido muito amada por Cristo” (segundo o papa Francisco).

Ela teria tido um papel muito importante nos primeiros anos do cristianismo, algo semelhante ao de Pedro, uma mulher à frente de seu tempo, que desafia a sociedade patriarcal da época,   

A identidade de Maria Madalena,contudo — ao longo dos séculos — confundiu-se com a da pecadora anônima, mulher que lavou, ungiu e secou com os cabelos ,os pés de Jesus na casa de Simão, o fariseu (no Evangelho de Lucas 7.37-38) — e também foi identificada com Maria de Betânia, irmã de Marta e de Lázaro", que no Evangelho de Mateus(26.6-13), unge também a cabeça de Jesus com um valioso perfume de nardo.

Devido principalmente às homilias de São Gregório Magno generalizou-se a ideia de que as três mulheres eram uma só pessoa. Particularmente na homilia 33 o papa Gregório em setembro 591 junta todas numa só personalidade. A pecadora da casa de Simao fariseu, a Maria de Betania e a de Magdala possuída  (este um acrescento em S. Marcos , que foi “copiado” depois por Lucas , como veremos a seguir)...

 

Vamos analisar hoje esta questão sobre 3 prismas:

-a)O que representam afinal esses  demónios na época e na biblia ?

-b)De onde retirou S.Lucas essas informações?

-c)Afinal houve 3 Marias ou uma só?!

   a)- Vejamos o Evangelho de Lucas  :  Quando Jesus está empreendendo sua viagem pela Galileia e algumas mulheres chegam até ele para serem curadas....são-no e depois seguem-no.   Citando S. Lucas 8,2- “e também algumas mulheres que ele tinha livrado  de espiritos malignos e de enfermidades. Maria que se chama Madalena, da qual Jesus havia expelido 7 demónios e outras mulheres (em 8,3) que lhe assistiam de suas posses. Portanto Madalena  foi uma das mulheres curadas pelo Senhor,  e que  passou a  acompanhá-lo , sendo  uma das pessoas que   colocavam seus bens como auxílio no sustento de Jesus e seus doze apóstolos . Ora, segundo  explica o historiador Michel Haag, esse termo 'demónio é utilizado ao longo de toda a escritura bíblica para narrar episódios em que Jesus trata de enfermos. Os demónios saiam e a pessoa ficava saudável de novo. (conforme visto acima).  . A expressão pode ser entendida tanto como uma possessão   quanto como uma doença do corpo ou do espírito. Tb em S.Marcos se afirma que Jesus curava os possessos e os enfermos . S.Marcos1,34: “E curou a muitos que se achavam oprimidos de diversas doenças e expeliu muitos demónios”...Aquele que aparentava não estar em seu perfeito juizo era considerado possesso de espirito imundo . Até do  proprio Cristo  isso disseram , como se refere em Marcos 3,30...por dizer e fazer coisas contra a corrente , como curar ao sábado !                                                                                                                           . Por outro,  sete (demónios) é um número simbólico ... “Como todo o tempo é compreendido por sete dias, comenta S.Gregorio in  Homilia 33 ,  por esse número certamente se representa a universalidade” ...dos defeitos ou vicios. No caso da Mulher tal pode significar :  humores vários , a melancolia (temperamental) ,maus espiritos, enfermidades., depressão,  descontrole dos sentimentos,  desequilíbrio nervoso.  ..(S.Paulo invoca a instabilidade emocional feminina) ....ou simplesmente, como sinal de estrangeira , samaritana, etc, crente  em qualquer outro deus, pagão, herege. Assim , Madalena, passou a ser associada como mulher impura e  dessa fama nunca mais se livrou!                                                                                                                                   

b) MAS DE ONDE RETIROU LUCAS ESSA INFORMAÇÃO ?                   ..É sabido que os evangelhos são produto das varias comunidades que seguiam os apóstolos . Os Evangelhos foram escritos bastante tempo depois da morte de Cristo, em épocas diferentes, baseados em tradições orais.  A referência “com 7 demónios” (16.9)  foi acrescentada ao evangelho de  S.Marcos que terminava em 16.8 , segundo especialistas biblicos.  E S.Lucas repetiu S.Marcos com acrescentos. Assim . dos 661 versículos do Evangelho de Marcos, mais de metade  350 estão no de Lucas.   E a crítica mostrou que o primeiro evangelho a ser escrito foi Marcos, por ser mais rústico e incompleto, em contraposição aos outros, mais elaborados e mais evoluídos.  A data aproximada terá sido entre os anos 60 e 70 do   século I, mas seguramente antes do ano  70 DC, pois este foi o ano da destruição de Jerusalém, e eles ainda confundiam este acontecimento com o fim do mundo. Os outros já não fazem assim. Por tudo isto se concluiu que Marcos escreveu primeiro, provávelmente baseado na pregação de Pedro e na tradição oral.  Mateus e Lucas copiaram de Marcos, melhorando o texto e adaptando conforme a ocasião, usando também uma tradição oral.e alguma fonte comum. que serviria de base para a catequese primitiva. Talvez aquele texto a que se refere Eusébio de Cesareia , pois é anterior aos Evangelhos escritos : a chamada Fonte  Q . Quando dizemos que houve 'cópias' uns dos outros, devemos entender que o Evangelista nao copiou simplesmente o outro, mas compôs baseado em suas pesquisas, e acrescentou algo de si. . Eles escreveram apenas o que interessava àquela Igreja, naquelas circunstâncias.  

 Vejamos O FINAL LONGO  OU ACRESCENTO EM S.MARCOS : O décimo-sexto capítulo do Evangelho de S.Marcos :  começa com a descoberta do túmulo vazio de Jesus por Maria Madalena, Maria e Salomé, onde estava um homem vestido de branco que anuncia-lhes a ressurreição de Jesus.O versículo 8 termina com as mulheres fugindo do local e afirmando que «[elas] não disseram nada a ninguém, porque estavam possuídas de medo» (Marcos 16:8). Muitos estudiosos afirmam que este é o final original do capítulo e que o trecho seguinte (Marcos 16:9 até  ao versículo 20) foi escrito e acrescentado depois com o objetivo de sumarizar as aparições de Jesus e os milagres realizados pelos cristãos depois da ressurreição. Neste trecho, o autor faz referência à aparição a Maria Madalena (a que foram extraidos 7 demónios) , a dois discípulos e finalmente aos onze apóstolos (os doze apóstolos menos Judas).  ] A maior parte dos académicos, concordando com a análise do crítico textual Bruce Metzger, acredita que de fato o trecho não era parte do texto original de Marcos.  O "Final Longo" não está presente em dois importantes manuscritos do Novo Testamento, ambos do século IV, o Codex Sinaiticus e o Vaticanus Graecus, os mais antigos manuscritos completos de Marcos, ausente tb em  manuscritos armenios; . Por outro encontra-se presente: na Vulgata de S.Jeronimo(sec V) , em Agostinho e Leão Magno.  

Marcos não pretendia terminar em 16:8, mas, por algum motivo, não conseguiu terminar seu trabalho (talvez por ter morrido ou por ser obrigado a fugir), o que obrigou outra pessoa a terminar o trabalho (ainda no processo de produção do texto, antes de ele passar a ser utilizado pela igreja)                                                                                              O prof. de Literatura e especialista biblico James Charlesworth, cita um  manuscrito armênio, conhecido como Matenadaran 2374 do ano  989, em que o copista relata   uma nota entre 16:8 e 16:9, afirmando "Ariston eritzou" (ou seja feito  por Aristão, o Velho Padre). Ora Aristão de Pela  é conhecido de antigas tradições, cristãs citadas por  Papias  bispo de Hierapoilis e contemporâneo de S.Policarpo , como sendo  um colega de  S.Pedro  .                                                                                                             O Comité de Tradução da Bíblia afirma:  "Os primeiros manuscritos e algumas outras antigas testemunhas não têm Marcos 16:9–ate 20".

 Citações muito antigas feitas pelos Velhos Padres indicam que esse final foi composto no século II, sendo que o  vocabulário e estilo denotam  que foi escrita por outra pessoa que não Marcos. É um resumo geral da matéria sobre as aparições do Jesus ressuscitado,

 Numa  sociedade patriarcal como a da época , a presença  notória de Madalena era incómoda em vários  sectores do cristianismo. Foi um problema para  homens de seu tempo, disse a historiadora Lucetta Scaraffia, no L'Osservatore Romano.

Assim tal difusão ,quanto a mim, enquadra-se no menosprezo secular da  mulher, enquanto ser possuído por varios espiritos malignos :  se um homem  podia ter  um demónio ... a mulher teria  concerteza sete demónios para expelir !!

 

c) --- Vejamos agora a questão das 3 Marias:  não existe razão na Bíblia para acreditar que eram todas a mesma pessoa. Maria Madalena não era a única mulher que seguia Jesus (eram pelo menos 7)...Salomé, Joana, 3 Marias, Marta , Suzana .

Este era o fundo da questão ainda na época quinhentista , em pleno concilio de Trento : uma ou mais Marias ?...e a discussão prolonga-se ..mesmo na sociedade portuguesa, vide um soneto de Sá de Miranda que afirma : ” Gregorio a pôe por uma, outros Doutores/ fazem as três, após Gregorio vão/ despois os mais, com todos os pintores!.”

Mas a moderna exegese desmente essa identificação. Nas últimas décadas, esta imagem foi revista  pela Igreja. No seguimento do concilio Vaticano II , em 1969, os predicados "penitente" e "pecadora" foram excluídos da seção dedicada a ela no 'Breviário Romano'."Isto eliminou um estigma que havia sido acentuado por ocasião da ContraReforma, e do concilio de Trento,que decretou a Vulgata como única  versão oficial da Igreja católica e fundou a Inquisição.

Ao todo esta optica vigorou uns 1.300 anos (desde 591 a 1969)...

João Paulo II em particular, destaca o especial papel de Maria de Magdala, como sendo a primeira testemunha que viu o ressuscitado, e a primeira mensageira que anunciou a ressurreição do Senhor aos apóstolos (in Enciclica “. Mulieris dignitatem “ de 1988). Deste modo converteu-se em Evangelista .   ...

Em 2016, papa Francisco transformou a data de Maria Madalena, 22 de julho, em festa litúrgica. De acordo com o Vaticano, a decisão foi tomada porque Francisco gostaria de "assinalar a relevância desta mulher que mostrou um grande amor por Cristo". Sempre a seu lado nos momentos mais criticos de sua vida. Ele voltou a enfatizar seu título de "apóstola dos apóstolos", apelando a um maior reconhecimento das mulheres na Igreja de hoje : “Na actualidade, quando a Igreja é chamada a reflectir mais profundamente sobre a dignidade da mulher, pareceu conveniente que o exemplo de Santa Maria Madalena fosse também proposto aos fiéis de uma forma mais adequada.

 

Falemos agora da  representação iconográfica de Maria Madalena

-O estigma que pairou sobre Madalena , manifestou-se, inclusive, ao nível da sua iconografia, De um modo geral, Santa Maria Madalena aparece representada com o atributo mais conhecido do pote dos óleos com que terá ungido Jesus.

Mas o principal atributo da imagem de Montalvão, de Santa Maria Madalena, é o livro de Evangelhos exibido na mão esquerda, ilustrativo da sua condição de “Apóstola dos Apóstolos”, segundo a já mencionada denominação . Trata-se, de uma raridade, apenas com paralelo, com uma escultura em pedra eventualmente quinhentista e da oficina de Coimbra, existente no museu Machado de Castro, de autor anónimo. O principal detalhe é a apresentação do livro em si mesmo, em detrimento do pote de perfume.



Assim constata-se a existência em paralelo temporal das 2 versões . A do frasco de perfume e a do livro...mas com predominância esmagadora , no que se conhece de obras, da versão da pecadora...reflectindo as mentalidades da época...Esta portanto que vemos aqui : a versão  alternativa embora minoritária que há muito vinha existindo...

A  imagem de Montalvão , embora dissimulado à frente, também apresenta a cabeça semi-coberta pelo manto- tal como a outra de Coimbra -  contrariando assim a imagem dos cabelos soltos e a descoberto da mulher pecadora , habitualmente presente na pintura  de época.----

  pintura de Domingos Serrao-


---De informações que nos foram dadas pelo eng. Luis Gonçalves  Gomes de Montalvão em outubro 2019...destacamos :

---Relevante, em termos, eventualmente, de datação da imagem, as vestes da imagem de Montalvão são rematadas na zona do pescoço, com mais visibilidade, e nos punhos, com uma gola ou rufo encanudado ao estilo da época renascentista (séc. XV e XVI).

Também como detalhe-acrescentamos nós: a forma velada de escrever o nome da santa apenas com as iniciais.

E como paralelismo entre as 2 imagens semelhantes – a de Coimbra e esta de Montalvao- saliente-se o facto de ambos os cintos respectivos serem rematados por um grande laço, simbolo de união espiritual ( os laços do Amor com o Divino).

 

2--- Quanto aos  primórdios do culto a Santa Maria Madalena, em Montalvão,

No levantamento paroquial realizado por Frei António Nunes de Mendonça (vigário de Montalvão, no setecentos...1758) é mencionado um altar dedicado a Santa Maria Madalena, presumivelmente existente na desaparecida capela dedicada a São Marcos, , (que coincidência:  o primeiro evengelista, o original)..!!!! de onde a imagem multisecular  mostrada na Igreja Matriz  poderá ser originária.

 

.. 3---Como assinalável coincidência o facto da imagem de Madalena repousar entre colunas salomónicas, em seu nicho junto ao altar mor ...sendo que o último Mestre da Ordem do Templo de Salomão (D. Frei Vasco Fernandes ,depois comendador de Montalvão, onde viveu os últimos anos de vida, após a extinção da Ordem Templária ) tambem terá sido sepultado bem perto no altar mor , segundo a .tradição...

 

Ora isto leva nos a outra e ultima questão: acerca da relação entre o culto de Madalena e os templarios.

Na verdade  Madalena está  unida  à  filosofia templária desde o ano do nascimento da Ordem …(o mesmo ano da criação do portal de S.Maria Madalena de Vezelay ) de onde S.Bernardo pregará a 2ª Cruzada (onde estará presente o mestre Gualdim Pais) .

--Recordemos que S.Bernardo –em sua apologia--chama a cavalaria templaria “ à obediência do castelo de Maria(Madalena) e Marta “ ou seja : os freis cavaleiros devem fazer seu serviço cortez a esta "noiva espiritual  "... tal como as freiras se entregam a Cristo (ficando suas mães como “sogras de Deus” na curiosa expressão de São  Jerónimo)…

Aquela conhecida também pela “outra Maria”, simbolizou para os Templários a discípula que ama o mestre acima de tudo, a testemunha da Sua Ressurreição, e a portadora da Boa Nova!"...

 

 

Naqueles tempos a cavalaria tratava a Mulher por igual …o tempo dos romances  de Amadis e Oreana ,  na tradição arturiana ... e céltica  presente na Galia de Chartres  sendo S.Bernardo um dos ultimos avatares dessa época !

de que ainda resta no nosso Quinhentos : a saga de Palmeirim  em Almorol e as medalhas metálicas dos arreios dos cavalos dos freis ,onde se figura a iniciação por uma mulher ( que na linha do que é assinalado na  Legenda Aurea , bem pode ser Maria Madalena, a iniciadora)… e uma palavra Amor…(iniciático/espiritual).

IMAGEM DA MEDALHA DE ALMOUROL


 

Efectivamente  a  Legenda Dourada  de  Jacob de Voragine, cronista e arcebispo de Génova   chama  significativamente a  Madalena –iluminata e iluminatrix- (iluminadora) - a que confere a Luz-  portanto iniciada e iniciadora

IMAGEM INICIADORA... semelhante  à  anterior 



Depois com o Renascimento  sobreveio a morte dos ideais cavaleirescos , enquanto contrário à ordem antiga  onde a mulher perde estatuto --resíduos de uma velha  iniciação matriarcal…a que se seguiu  o banimento oficial das mulheres  co-celebrantes rituais,   até hoje.

 

Madalena exige hoje um novo olhar! Para crentes e  não crentes !

 

Ja no dealbar deste nosso século surgiu um  livro O Codigo da Vinci de Dan Brown   que  à sua maneira relança o papel de Madalena, confabulando  a partir de uma construção eclesial de fins do  sec XIX  (Rennes-le –Chateau/França)   erguida há pouco mais de cem anos pelo padre Sauniére em menagem a S.Maria Madalena ; nas vizinhanças de uma  antiga e modesta comenda  templaria (Aleth les Bains).  Tal deu fama a esse lugar e a muitos outros onde corre a sua estória, incluindo locais ingleses que rápidamente duplicaram o numero de visitantes…que vem em busca dum halo de misterio  …e que sinceramente pouco tem a mostrar de significativo...Porém ,nós  em Tomar,  temos para oferecer outra realidade e bem mais antiga sobre o assunto, mas desconhecida da maioria dos nacionais e dos estrangeiros…

Em verdade,  já nos interrogávamos há muito sobre o que faziam Madalena e o mestre Gualdim no mesmo lugar, a capela gualdinica  (frente a frente nas paredes laterais) de S,Maria dos Olivais, o panteão templário dos seus mestres .

Mas olhando de novo e minuciosamente  para a nossa Madalena de S.Maria de Tomar deparamos com um detalhe intrigante...um sinal ou mensagem velada eventualmente aqui deixada talvez por um dos últimos templários perseguido pelo inquisidor mor...(daqueles- dos velhos templarios resistentes ao nosso Filipe o Belo: o famigerado frei Antonio Moniz de Lisboa -  e que são referidos como pastores furtivos em conclave na Mata dos Sete Montes em Tomar  na obra  Lusitânia Tansformada de Fernão Alvares do Oriente,  coevo de Camões.

Talvez aquele  que assina  DP (eventualmente Diogo Pires, o Moço?) nos frescos dos primeiros claustro conventuais (Henriquinos).Conseguiu deixar  assim nesse mesmo sec XVI  ,no Panteão dos Mestres,  a sua  mensagem  secreta na imagem   de S. Madalena de mãos  postas, significativamente  colocada na capela templaria …Se repararem olhando de baixo mas com sentido elevado verão o sinal: as suas mãos desenham uma fechadura-sinal da chave …ali colocado disfarçadamente e só visível  de certo ângulo !…

IMAGEM SINAL MADALENA  


Ah se o homem do Código tivesse seguido esta pista, nossas duas  igrejas teriam hoje tb milhares de visitantes!

 

Com a reunião das 2 imagens de Madalena cumpriu-se a Mensagem!

Madalena é a chave ...entre o Alfa e o Omega !

É através dela que se refaz uma ligação perdida (há muito) entre terras templarias, todas comendas de uma mesma Ordem ...a do Templo ! Com a sua vinda a Tomar , assim se uniram Tomar e Montalvão, a terra do primeiro mestre ali sepulto , Gualdim Pais, com a terra do último  mestre, Vasco Fernandes aqui  sepulto! O alfa e o Ómega em terra portuguesa...assim se refaz e pratica a Rota templaria hoje...

Madalena, ela , é o veículo dessa união/ transformação em que ela propria se transforma , na imagem iconográfica, através de seus atributos : Do Vaso da pecadora ao Livro da Apóstola ! A Nova Madalena ! Hoje redignificada pelo Vaticano

Mas hoje já não precisamos de Dan Brown para o assinalar,  felizmente há outros caminhos :  Exatamente 7 anos depois da proclamação papal sobre Madalena fecha-se  um ciclo (como os 7 dias da Criação ou a mistica do 7...e  começa outro: : daqui a uma semana temos o papa em Portugal,     E pq não : alguém daqui da região – seja do clero ou voluntario das Jornadas de Juventude- que  procure fazer chegar as mãos do papa ou do seu circulo restrito (para seu conhecimento) uma simples pagela com esta imagem única de Madalena que Montalvão tem em sua igreja (a única Madalena com livro que está numa igreja aberta ao culto, a outra Madalena semelhante está num museu) , portanto mostrando assim estar na vanguarda da doutrina actual – o que por certo muito agradará ao papa e não só ...o resto fará a comunicação global, o suficiente para colocar no centro das atenções, este lugar periférico (que até só  tem vizinhos ao fim de semana, do lado do rio!)..: Afinal uma terra tb se promove pela sua imaginaria patrimonial!  Passem a palavra !

   ....                   





Não a nós mas a eles a Glória !      



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31.3.23

REPOSICIONANDO UMA QUESTÃO IMPORTANTE PARA A ROTA TEMPLARIA EUROPEIA:



REPOSICIONANDO UMA QUESTÃO IMPORTANTE PARA A ROTA TEMPLARIA EUROPEIA:

Afinal “estamos”  a uns meros 35 km do castelo templario de Atlith- o castelo dos Peregrinos-  sede espiritual e material da Ordem do Templo durante quase todo o  sec XIII, após a queda de Jerusalém...que se situa a norte de Israel no subdistrito de HADERA, a cidade geminada com Tomar !

Esta região de Atlith é o  Alfa e o Ómega  da Ordem na Terra Santa:  aqui foi construída a torre de Destroit para defender os caminhos dos peregrinos , cf o texto de Francois Gilet  publicado  recentemente , portanto onde os templarios se colocaram no seu inicio e foi tb aqui que no sec XIII foi construido o castelo de Atlith chamado castelo dos Peregrinos , que foi o último lugar de onde sairam após a queda de Acre. para Chipre.

Por tudo isto bem podemos dizer que afinal a região de Hadera  está bem na rota (dos peregrinos) a Jerusalém! Foi o que descobrimos cotejando os dados geografico-administrativos locais com os documentos historicos , especialmente um texto recentissimo do  historiador israelense Shloman Lotan,   um dos  historiadores com várias obras publicadas sobre as cruzadas e as ordens militares , ligado à  universidade “ Bar ilan “ em Ramat-Gan (perto de Telaviv). Ele  esteve  no último Encontro internacional sobre Ordens Militares em  Palmela (2019) de que fazia parte uma visita ao Convento de Cristo em Tomar, pelo que deve estar familiarizado com a cidade e eventualmente ter conhecimento da Rota, Aliás como ficou registado na acta do CA da TREF em 14 outubro 2022 sugerimos na altura que este historiador bem poderia ser a hipótese de trabalho e colaboração que nos faltava na TREF,  à imagem do que aconteceu com a representação de Chipre (“entregue”  a Pierre-Vincent Claverie , investigador em Nicosia).

-O artigo de S.Lotan parte de uma declaração feita para o processo dos templarios por um tabelião italiano que trabalhou na Terra Santa para a Ordem do Templo durante mais de 40 anos (citada por Jean Michelet em 1841). Ele situa o comeco da Ordem  por 9 anos durante o reinado de Balduino I nas imediações de Atlit no chamado Caminho dos Peregrinos que se dirigiam a Jerusalém  . (Confrontar com o texto já conhecido  de F.Gilet que nos fala de uma faixa estreita onde os peregrinos cristãos eram frequentemente atacados...aqui os cavaleiros construiram uma torre com 20m de altura chamada a torre Destroit ou de Passagem no territorio da cidade de Atlith , que é testemunha da presença dos cavaleiros templarios ali.). Um posto avancado em resposta à ameaça do caminho Estreito,  visando proteger esses peregrinos em viagem de norte para sul.

Com a perda de Jerusalém (1187) a  Ordem decide construir em 1217 durante a V cruzada, o castelo dos Peregrinos nas imediações do antigo lugar (Destroit) . Esta  uma das maiores  fortalezas  da Ordem templaria  construida no sec XIII , para dar apoio aos peregrinos e na cidade desde então... nunca foi tomada e foi o último posto avançado remanescente das cruzadas , o último reduto  abandonado em agosto, depois da queda em maio de Acre.4 meses depois. Permaneceu intacto por séculos : só um terramoto na Galileia  o danificou em 1837 ! . Um exemplo culminante da arquitetura cruzada, maciça e sólida.

Um castelo  com um alto significado para a Ordem, com uma igreja poligonal (decágono) rotunda à imagem do santo Sepulcro -Imitatio Christi- um grande cemitério exterior a norte do cadtelo com cerca de 1900 sepulturas de dependentes da Ordem, , arrendatários e prestadores de serviços , algumas com lápides esculpidas.  Também prisão central da Ordem para onde vinham de Acre ou até Antioquia , segundo é citado. Castelo seguro, base material e espiritual da Ordem , onde  permaneceu inclusive a mulher de S.Luis quando deu à luz; uma espiritualidade que eles construiram destacando/ criando lugares e artefactos sagrados nas suas imediações como a rocha onde o senhor descansou (em  frente ao castelo)  e guardando em sua igreja reliquias de Santa Eufemia da Caledónia, virgem e martir (citando Helen Nicholson).       Em conclusão o texto afirma que o Templo  tinha todo o interesse em acrescentar toda essa espiritualidade à sua Ordem , por sua grande atractividade, criando uma aura benéfica à reputação da Ordem entre os cristãos locais e viajantes (tal como o caso de S.Iria propagado em Tomar em seu tempo, anexamos  nós)...

Substituindo a antiga torre  de LeDestroit  que estava situada um pouco atrás da costa, o  castelo foi construído sobre um promontório, com duas paredes principais separando a cidadela do terreno. A muralha exterior tinha cerca de 15 metros de altura e 6 metros de espessura, com três torres quadradas situadas a cerca de 44 metros umas das outras, projetando-se 12 metros com uma plataforma nivelada no telhado provávelmente para artilharia . Na frente corria uma vala rasa cavada ao nível do mar cortada na rocha. A parede interna tinha aproximadamente 30 metros de altura por 12 metros, com duas torres quadradas, a norte e a sul, cada uma com aproximadamente 34 metros de altura. Como a parede interna era mais alta que a parede externa, os defensores podiam atirar em alvos sobre a primeira parede, permitindo maior proteção contra o fogo de retorno dos sitiantes. (Parte do projeto do castelo incluía um porto protegido no lado sul do promontório) .Também tinha três poços de água doce dentro de seu recinto. O castelo era capaz de suportar até 4.000 soldados durante um cerco. O castelo provávelmente recebeu esse nome de peregrinos que ofereceram trabalho voluntário durante sua construção.

A igreja, um decágono, com suas três absides orientais, o grande salão de El Kaynifeh elevando-se acima de tudo, as longas abóbadas para estábulos e depósitos,  a alvenaria nobre, com as fortes paredes circundantes, devem ter feito de Athlit talvez a melhor cidade do período no país. A povoação de Atlit desenvolveu-se fora da muralha exterior do castelo e foi posteriormente fortificada.

Um castelo que resistiu a todos os ataques: foi sitiado logo em 1220 pelos aiúbidas . Foi sitiado depois pelos mamelucos sob o comando do sultão Baybars em 1265, abandonando este o cerco (como em Tomar)  apenas destruindo os arredores , mas as muralhas  mantiveram-se impenetráveis  ( nem uma pedra de seu lugar, conseguiram mover, sg o  cronista   cruzado e bispo do sec XIII Oliver de Padborne.  Com a queda de Acre e o colapso do Reino de Jerusalém, o  castelo agora só poderia ser reabastecido por mar, então o castelo foi evacuado entre 3 e 14 de agosto de 1291..

Eis tudo o que interessa saber, desvelando assim as várias partes de um puzzle em que todas as peças contam. Estava “realizado” há muito,  embora não se percebesse completamente: em 1183 o Convento de Cristo foi declarado Patrimonio Mundial e nesse mesmo ano Hadera em Israel e Tomar geminaram-se(28-6-1983). Fazem  neste ano 40 anos as duas efemérides! Aproveite-se a data para repensar a situação. Pode ser coincidência  mas é  bem significativa  do caminho a seguir. Maktub!  Hadera é mais importante do que se pensava (como resulta da leitura do artigo, que anexamos, de  Shlomo Lotan e este professor será importantissimo se convidado a aderir à Rota enquanto representante de uma instituição universitaria israelense. Em resumo,  obtendo este  2 em 1 , será cumprir a Rota!

Mais , há tb uma cidade francesa recentemente aderida à Rota (TREF), no caso METZ  que tem uma geminação com a cidade israelita de Carmiel que tb se situa na mesma região ( a 60 km de Atlit e apenas 24 km de Acre) que em conjunto pode ajudar ao objectivo da Rota…

Por último e tb importante, manifesta-se localmente (nesta região) há alguns anos uma nova dinâmica de Turismo patrimonial, cultural, historico e paisagistico, pelo reforço de sua Atractividade (segundo o que se pode ler em publicações locais). Há que portanto adequar a “nossa” procura à “oferta”  deles.Quando convergirem,  será solução !  Não  esquecendo o Conselho Regional  Hof HaCarmel  que inclui o distrito de Haifa e o subdistrito  de Hadera. Aqui se deixam pois todos os intervenientes  possiveis para a boa resolução da questão 





Segue-se a transcrição traduzida do artigo de Shlomo Lotan “Collata beneficio filii Dei militibus suis: Templar Spirituality at the Fortress of ‘Atlit in the Latin Kingdom of Jerusalem'" ( a que se retiraram as notas, para não alongar demasiado o texto).

 

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Este artigo é o resultado do trabalho de campo colaborativo de Shlomo Lotan e Joachim Rother durante os estudos de pesquisa de três meses deste último na terra de Israel, generosamente possibilitados pela Fundação Konrad-Adenauer e pelo Instituto de Jerusalém da Görres-Gesellschaft zur Pflege der Wissenschaften

“Dois nobres cavaleiros da Borgonha iniciaram a mencionada Ordem da Cavalaria do Templo da maneira que segue: a saber, esses dois cavaleiros outrora guardaram o caminho que agora é chamado de Castelo dos Peregrinos, caminho que [na época] era chamado de Caminho dos Peregrinos, aqueles que se dirigiam ao Sepulcro de Jerusalém [isto é, os peregrinos] estavam sendo saqueados e também mortos. Esses cavaleiros guardaram o caminho por um longo tempo por nove anos ou mais, porque receberam apenas nove companheiros. E depois, pelos méritos da sua probidade, que consagraram em tal exercício de guarda do caminho para a fé católica e para a segurança dos que o atravessavam [i.e., dos peregrinos], o dito Papa, que estava [no cargo] naquela ocasião, confirmou-lhes a referida Ordem com o hábito que usavam”. 1 Le procès des Templiers, ed. Jules Michelet, 2 vols. (Paris 1841 1851), 1: 643. Esta declaração, prestada pelo tabelião italiano Antonio Sici de Vercelli durante o Julgamento dos Templários na primavera de 1311, oferece uma alternativa interessante para William (Guillaume de Tyr) da famosa narrativa de Tiro sobre as origens da Ordem do Templo. 2 Enquanto o depoimento de Antonio ecoa alguns dos elementos do relato de William, ele muda completamente o cenário: em vez de associar a fundação da comunidade templária com o Templum Salomonis no Monte do Templo de Jerusalém, Antonio move o ministério original dos Templários para a vizinhança de Atlit (Castrum Peregrinorum), fundada em 1217 1218, ou seja, quase um século após o início real da comunidade templária, e localizada entre Cesaréia e Acre, na costa mediterrânea. 3 Antonio não era membro da Ordem, mas havia trabalhado para os Templários na Terra Santa por mais de quarenta anos; 4 assim, ele deve ter sido bem familiarizado com histórias e lendas sobre Atlit, que se tornou uma importante fortaleza templária no Oriente latino após a perda de Jerusalém pelos francos para Saladino em 1187. Como os templários geralmente se concentravam nas promessas salvíficas da Cidade Santa de Jerusalém, este capítulo visa avaliar o significado espiritual de 'Atlit para a Ordem no reino latino do século XIII e passa em grande parte por cima da importância militar da fortificação. 5 A história da fundação de Antonio Sici é apenas uma das várias evidências que sugerem que Atlit e seus arredores ofereciam um terreno fértil para promover a devoção cristã em vários níveis.

Fundada na sequência da Primeira Cruzada em Jerusalém por volta de 1119/1120, a comunidade templária recebeu sua Regra em 1129 no Concílio de Troyes e tornou-se uma Ordem isenta da Igreja em 1139. O objetivo escolhido por seus membros foi proteger os peregrinos cristãos a caminho de Jerusalém para visitar os Locais Sagrados. Enquanto isso, a Regra dos Templários impôs aos membros um modo de vida monástico. Uma vez que os Templários mantiveram relações estreitas com a Ordem dos Cistercienses por parentesco e amizade desde o seu início, foi especialmente o grande Bernardo de Clairvaux quem moldou de forma duradoura o perfil espiritual e a auto-imagem dos Templários. 6 Combinando dois ramos tradicionalmente separados da sociedade, ou seja, monges e cavaleiros, os Templários viveram uma vita activa e formaram de fato o que Bernard mais tarde descreveu apropriadamente como um gênero novum em sua obra De laude novae militae. 7 Como uma nova cavalaria, eles foram um forte apelo para os cristãos contemporâneos, e sua filiação, doações para sua comunidade e experiência militar acabaram aumentando a ponto de se tornarem parte integrante do exército permanente que era essencial para defender os Estados Latinos. Territórios cristãos no Outremer. No entanto, nem as ordens militares nem o exército do reino latino foram capazes de conter a maré daquele fatídico ano de 1187, ou seja, as derrotas francas em Hattin em julho, e a queda da Cidade Santa de Jerusalém. Para as  forças de Saladino em outubro. A perda da Cidade Santa pesou fortemente não apenas nos estados cruzados em geral, mas particularmente na Ordem do Templo, que agora estava desprovida de sua sede e de seu ponto focal espiritual. Perder os locais do próprio ministério e sofrimento de Cristo deve ter tido um efeito prejudicial na autoimagem constitucional e espiritual da Ordem.

A construção de Atlit em 1217 1218 foi uma tentativa de recuperar a postura, militar e politicamente, no contexto da Quinta Cruzada: os líderes da expedição e os nobres europeus decidiram fortificar dois grandes postos avançados na estrada entre Acre e Jaffa ao longo da costa mediterrânica, ou seja, Cesaréia e Atlit. 8 A fortificação de 'Atlit decorreu sob a liderança do cavaleiro flamengo Gautier d'Avesnes e contou com o apoio dos Templários e da Ordem Teutónica que uniram forças para esta missão militar. 9




Em 1220, a nova fortaleza já havia sido posta à prova. Enquanto as forças cristãs da Quinta Cruzada estavam amplamente ocupadas no Egito, as tropas do governante ayyūbid de Damasco, al-Mu'aẓẓam 'Īsā, atacaram Cesaréia e, após destruir suas novas fortificações, viraram-se para o norte para sitiar Atlit. Enquanto os muçulmanos se moviam contra o castelo dos cruzados, os Templários encarregados da defesa de Atlit decidiram destruir a pequena torre  de Le Destroit para privar o inimigo que se aproximava de qualquer forma de fortificação nas proximidades. Os muçulmanos atacaram Atlit com catapultas  e arqueiros mas não conseguiram infligir grandes estragos nem comprometer as suas defesas. Eventualmente, al-Mu'aẓẓam 'Īsā decidiu abandonar o cerco e deixou a região costeira. 10

Além desses encontros militares, ‘Athlit também passou por períodos de estabilidade e desenvolvimento. Um novo subúrbio com uma população franca desenvolveu-se ao sul e leste da principal fortaleza ao longo da costa do mar e da baía, e a vizinhança de 'Atlit foi dedicada a empreendimentos agrícolas em grande escala. 11 Escavações arqueológicas revelaram uma série de edifícios, incluindo uma igreja, celeiros, estábulos, banhos e uma torre independente.12  A principal vantagem de Atlit era sua disposição topográfica: a parte ocidental da fortificação era naturalmente protegida pelo Mar Mediterrâneo, enquanto a toda a extensão de seu lado leste era protegida por um fosso com dois portões, como as escavações mostraram. Havia duas linhas de muralhas no lado leste, a primeira delas protegida por três torres. Além do pátio externo, havia uma imensa muralha interna com duas grandes torres. A torre norte tinha uma altura de 30 metros e continha várias câmaras abobadadas com belas esculturas. Ao redor dos lados restantes do castelo havia duas fileiras concêntricas de abóbadas, incluindo vários salões abobadados nas partes sul e oeste do castelo, e havia uma igreja poligonal no centro do castelo. 13

Em 1265, quando as forças mamelucas comandadas por Baybars conquistaram Arsuf e Cesaréia, elas também atacaram Atlit. Eles derrubaram a muralha da cidade e destruíram as estruturas do subúrbio. Os habitantes buscaram refúgio atrás das imensas muralhas do castelo, e a fortaleza mais uma vez se mostrou impenetrável. 14 Após a queda de Acre em maio de 1291, ‘Atlit permaneceu como a última fortaleza cruzada em mãos cristãs no reino latino.  No entanto, sem mais apoio, seus defensores tiveram que perceber que não tinham mais meios para defender o castelo. Em 14 de agosto de 1291, os Templários evacuaram o castelo e navegaram para a ilha de Chipre, onde os mamelucos entraram na fortaleza e destruíram seus portões e torres. A partida dos Templários de 'Atlit marcou o fim do reino latino de Jerusalém. 15

Atlit, Acre e uma rivalidade espiritual? 

Após a perda de Jerusalém em 1187 e o restabelecimento parcial do reino latino em setembro de 1191, a cidade de Acre tornou-se o novo centro para a maioria dos magnatas e instituições cristãs remanescentes no Oriente latino, incluindo os Templários. O relato do chamado Templário de Tiro destaca de forma impressionante a importância desta cidade costeira para os Templários.

[O Templo] era o lugar mais forte da cidade. Ocupava um grande terreno à beira-mar, como um castelo; tinha em sua entrada uma torre alta e forte, e a parede era grossa, com oito metros de largura. Em cada canto da torre havia uma torre, e em cada torre havia um passant de leão dourado, do tamanho de um burro, que custou os quatro leões, o ouro e o trabalho juntos, mil e quinhentos besantes saracenados, e foi uma coisa magnífica de se ver. E na outra esquina, em direção ao bairro Pisan, havia outra torre, e perto desta torre acima da rua de Santa Ana, havia um palácio muito nobre que pertencia ao mestre. 16

O bairro templário de Acre deve ter sido magnífico. A Ordem havia investido vultosas somas de dinheiro para transformar sua nova sede, residência de seu mestre e convento central, em um local respeitável. Estabelecer a base principal no Acre era uma necessidade para os Templários: a cidade servia como a nova capital do reino latino (já que Jerusalém não estava disponível, pelo menos por enquanto), portanto, uma ausência prolongada do convento central dos Templários do Acre teria diminuído consideravelmente a influência da Ordem nos assuntos do Outremer. 17 No entanto, o clima político do Acre era frequentemente carregado, e a cidade era um foco constante de disputas entre vários partidos, até mesmo suas comunidades religiosas. De fato, pode ter havido uma ligação entre a constante discórdia política no Acre e a construção de Atlit: Oliver de Paderborn, que chegou ao Terra Santa em 1217, apontou que o  objetivo principal de Atlit era facilitar que o convento dos Templários fosse retirado de  Acre, e implicando um êxodo divinamente ordenado, Oliver referiu-se a Acre como uma pecadora [ peccatrix] e uma cidade cheia de toda imundície [ spurcitia].18 Assim, seguro em 'Atlit até o momento em que Jerusalém seria restaurada ao cristianismo, os Templários não teriam que lidar com as atividades pecaminosas na cidade do Acre.19

Na mesma linha, Jacques de Vitry, bispo do Acre entre 1216 e 1225, também estava convencido de que Atlit oferecia uma oportunidade para os Templários se dissociarem de uma cidade (ou seja, Acre) que ele havia descrito como um monstro e uma besta, tendo nove cabeças que brigam entre si,20 logo após sua chegada ao Oriente latino. Jacques de Vitry percebeu Acre como sendo constantemente corrompido por ações perversas e maus exemplos. 21 Assim, em uma de suas cartas ao Papa Honório III, ele disse ao pontífice que os Templários não estavam dispostos a se vestir com um véu de hipocrisia. . . e foram, portanto, envolvidos neste excelente trabalho, 22 ou seja, a construção da fortaleza de 'Atlit.

Ambos os relatos enfocam elementos nitidamente escatológicos e apresentam a pecaminosidade do Acre como principal razão para a construção de 'Atlit. Existe, no entanto, alguma evidência que suporte o que Oliver de Paderborn e Jacques de Vitry estão insinuando? O ‘Atlit foi construído ou pelo menos apresentado como uma alternativa imaculada para lugares perdidos ou considerados indignos? Não há declarações explícitas que corroborem que os Templários pensavam em ‘Atlit dessa maneira, e é por isso que a afirmação de Oliver deve ser tomada com cautela. 23 No entanto, existem vestígios de evidências que nos permitem deduzir o que 'Atlit pode ter significado espiritualmente para a Ordem dos Templários.

Um dos vestígios mais marcantes que merece discussão a esse respeito é a igreja poligonal erguida pelos Templários no final da parede sul do pátio interior de 'Atlit 24 um tipo de edifício que atraiu considerável atenção. 25 Como revelou o estudo pioneiro de Élie Lambert, as rotundas não eram igrejas templárias per si,  nem essa forma arquitetônica era de alguma forma específica dos Templários.26 Apenas um punhado de igrejas poligonais pode ser ligado à Ordem do Templo diretamente e sem dúvida, e o único traço comum entre estes é que este tipo de estrutura parece ter sido preferido em algumas grandes comendas, como as de Tomar, Paris e Londres, 27 e isso pode explicar a construção de tal igreja também em 'Atlit . Em primeiro lugar, sendo o polígono uma referência à anástase do Santo Sepulcro em Jerusalém, local da sepultura e ressurreição de Cristo, a sua construção em 'Atlit, tal como noutros lugares, sublinhava uma dedicação a Cristo, à sua morte, e sua ressurreição a pedra angular soteriológica da salvação cristã. Em segundo lugar, no entanto, por que tal construção agora era  considerada conveniente em um comando templário no Oriente latino? Presumivelmente porque o próprio Santo Sepulcro se tornou inacessível após a perda de Jerusalém em 1187 e foi perdido novamente, após um interlúdio de quinze anos, em 1244. A igreja poligonal não fazia parte do plano original de 'Atlit, mas foi acrescentada apenas mais tarde. , talvez na década de 1250. 28 Sua construção relativamente tardia pode ter coincidido com a crescente convicção entre os cruzados de que o objetivo de recapturar Jerusalém estava além do alcance no futuro previsível e, portanto, representa a postura defensiva geral dos cruzados e das ordens militares naqueles anos, que é tão magnificamente palpável na concepção muito defensiva de 'Atlit.29

De uma perspectiva espiritual, a importância desta igreja para os Templários pode ser melhor ilustrada pelo que Bernardo de Clairvaux disse a seus primeiros membros sobre o Santo Sepulcro: Entre os lugares sagrados e mais desejados, o Sepulcro ocupa o primeiro lugar. . . A comemoração de sua morte [isto é, de Cristo] é urgente, com  mais devoção do que a de sua vida. . . . Visto que morreu  para ressuscitar, deu aos moribundos a esperança da ressurreição. 30

Como Sylvia Schein mostrou, para Bernard não o mistério da encarnação ou da ressurreição, mas o da salvação pela morte de Cristo 31 foi a chave na interpretação do Santo Sepulcro. Assim, o Santo Sepulcro teve relevância escatológica imediata não apenas para o Cristianismo em geral, mas para os Templários em particular. Para eles, era uma lembrança constante do mandato evangélico (João 15,13) de dar a vida pelos irmãos, 32 uma frase que se tornou de vital importância para a autoimagem dos Templários: 33 em contraste com os Hospitalários ou os Ordem Teutónica que via no cuidado dos doentes e na luta pela fé componentes igualmente significativas da sua profissão, a guerra constituía a única vocação dos Templários, e a dedicação ao martírio representava um dos pilares da sua antecipação escatológica, facto que só recentemente recebeu sua devida atenção. 34 Ao imitar Cristo não apenas espiritualmente, mas também corporalmente através da possibilidade de morte na batalha contra os inimigos do Senhor, uma Christo-mimesis completa foi possível. Tendo isso em mente, parece razoável que os Templários estabelecessem um símbolo visível de sua imitatio Christi espiritual e corporal, uma “Vergegenwärtigung” 35 (literalmente, trazer para o tempo presente) em 'Atlit, especialmente agora que Jerusalém foi perdida e o Santo Sepulcro em si em grande parte inacessível. Nem Acre nem qualquer outra cidade ou fortaleza cristã nos territórios cristãos do Outremer forneceu tal referência ao local da salvação da humanidade naquele tempo.





Outros lembretes ainda visíveis do proeminente papel espiritual de 'Atlit podem ser vistos no cemitério dos cruzados escavado não dentro do próprio castelo, mas fora no subúrbio, a cidade fechada a leste da fortaleza, próximo à estrada ao passar pelo portão norte 36  . O que é tão impressionante sobre este lugar é que, enquanto a fortaleza foi habitada pelos cruzados por apenas setenta e quatro anos, o número estimado de aproximadamente 1.900 enterros neste local é extremamente grande, e todos eles podem ser datados da presença dos Templários na área. . 37 Uma vez que a ausência de enterros infantis sugere que este não era o cemitério dos habitantes da cidade vizinha, surge a questão de quem são realmente as pessoas enterradas neste cemitério.38 O estudo de Jennifer Thompson sobre o cemitério argumenta que o alto número de enterros pode ser explicado pelo fato de que, após a queda de Jerusalém, nenhuma grande cidade cristã no Oriente latino parece ter oferecido sepulturas exclusivamente dedicadas aos Templários e aos afiliados à sua Ordem, nem mesmo Acre; portanto, 'Atlit pode ter servido como um grande cemitério para os Templários e aqueles afiliados à sua Ordem, e os corpos dos falecidos podem ter sido transportados para o cemitério através do porto natural de 'Atlit. 39

As implicações de um cemitério central mantido pelos Templários são marcantes, pois tal instalação representaria um local de encontro com o Senhor e ipso facto constituía um local de devoção e espiritualidade. A atenção aos defuntos era de extrema importância em qualquer ordem militar religiosa, e numerosos parágrafos nos textos normativos dos Templários estipulam como os Irmãos e confrades falecidos deveriam ser comemorados, enquanto uma consideração especial deveria ser dada aos mortos nos próprios cemitérios da Ordem. . 40 Direito da Ordem a cemitérios próprios

O direito da Ordem a seus próprios cemitérios não era evidente, mas sim um privilégio papal concedido na bula de 1139 Omne Datum Optimum. 41 Embora o privilégio inicialmente incluísse apenas membros da comunidade, os Templários conseguiram expandir este direito aos confrades e subordinados não afiliados, um desenvolvimento que implicou benefícios monetários bem-vindos para os Templários. 42 Embora não haja certeza quanto às identidades de todos os enterrados no cemitério dos cruzados de 'Atlit, é o maior e mais bem preservado cemitério franco conhecido até hoje, 43 e parece ser um excelente exemplo da atenção dos Templários à  vida após a morte. Como o cemitério praticamente não deixou vestígios nas fontes escritas, não é possível tirar conclusões definitivas com relação ao seu efeito na reputação espiritual geral de 'Atlit.

É digno de nota que ‘Atlit não serviu apenas como um lugar de descanso para os falecidos da Ordem, mas também como um destino final para aqueles de seus membros que quebraram os mandamentos da comunidade. A seção da Regra dos Templários relativa às penitências, escrita entre 1257 e 1268, 44 fornece informações detalhadas sobre o papel vital que ‘Atlit (chamado de Château Pèlerin no texto) desempenhou nos processos judiciais da Ordem:

Pois aconteceu em Antioquia que um irmão chamado Irmão Paris, e dois outros irmãos que estavam em sua companhia, mataram alguns mercadores cristãos; e a reprovação veio perante o convento, e eles  foram condenadas a serem expulsos das  Casas e açoitados  por toda Antioquia, Trípoli, Tiro e Acre. . . e eles foram colocados em prisão perpétua no Château Pèlerin, e lá morreram. E aí no Acre aconteceu uma coisa parecida com outro irmão. 45

Em outro caso, três Irmãos Templários do Château Pèlerin foram acusados de sodomia, e foi decidido pelo mestre que isso não deveria ir para o capítulo, porque o ato era tão ofensivo, mas que os irmãos deveriam vir para o Acre; ali, os três foram condenados a perder o hábito e acorrentados, mas um deles conseguiu fugir. Os outros dois foram mandados de volta para a prisão em 'Atlit.46 Em outra ocasião, o capítulo realizado em Arsuf condenou um Irmão, que havia levantado a mão contra outro Irmão, para ser acorrentado de acordo com os costumes da Casa e enviado ao Château Pèlerin. 47 Da mesma forma, o irmão George, que era pedreiro de profissão, foi se juntar aos sarracenos, mas foi capturado e preso em 'Atlit, onde morreu. 48

Assim, de vários cantos do Oriente latino, os Templários foram condenados a serem encarcerados na fortaleza de 'Atlit. Embora a localização exata do complexo prisional dentro da fortaleza permaneça incerta, é notável que o principal centro correcional da Ordem não estivesse localizado em sua sede no Acre, onde os Templários também mantinham uma prisão. 49 Considerando o uso da prisão nas ordens militares, a Regra dos Templários pinta um quadro vívido: punições como acorrentamento ou encarceramento eram um aspecto vital do entendimento escatológico da Ordem, uma vez que eram percebidas como uma forma de penitência, de modo que ele [i.e. , o culpado] pode ser salvo no Dia do Juízo. 50 O orgulho como o principal instigador do mau comportamento deveria ser redimido pela submissão à misericórdia e julgamento do Mestre e dos Irmãos da comunidade, e se um perpetrador não se arrependesse, deveria receber uma punição mais severa; como mostra a Regra, 'Atlit parece ter sido reconhecido como um lugar de penitência um local onde os Templários removeram os ímpios entre eles, como sua Regra exigia, a vara, por assim dizer, para vencer os vícios daqueles que pecam. 51

“A igreja, o cemitério e a prisão de Atlit constituíam instalações de fundamental importância para os Irmãos como cristãos piedosos e como membros de uma ordem religiosa, pois estavam associados a meios de garantir a salvação de uma forma ou de outra. Considerando a importância global da cidade do Acre, a localização dessas instalações em ‘Atlit parece ainda mais peculiar. Embora, pelo menos no que diz respeito ao cemitério, a resposta possa ser tão simples como extensas necessidades de espaço, 52 uma avaliação global destas instalações sugere que os Templários associam  características soteriológicas distintas com ‘Atlit. A disposição do castelo representava perfeitamente o seu duplo estilo de vida, uma vez que era um complexo monástico independente, mas também uma fortaleza militar estrategicamente importante. ‘Atlit era bem diferente de Acre: este último era o centro político do reino e o centro administrativo da Ordem, mas ‘Atlit fornecia recursos espirituais importantes para os Templários. 53 Parece que, pelo menos ocasionalmente, a desunião resultante de pontos focais políticos, judiciais e espirituais era motivo de preocupação, como ilustra o exemplo dos Irmãos Templários acusados ​​de sodomia: a autoridade judicial do capítulo local de 'Atlit foi considerada insuficiente ou impróprio para julgar um pecado tão grave, razão pela qual o mestre enviou os Irmãos de 'Atlit para o convento central do Acre, onde foram julgados em sessão especial na câmara. 54 Uma vez condenados, eles foram enviados de volta para 'Atlit para receber sua punição. Se foi devido à gravidade deste pecado particular ou devido ao seu status exemplar na Regra que este incidente foi lembrado repetidamente pelos Irmãos durante o Julgamento é assunto para especulação. 55

Quando se trata de declarações explícitas sobre o significado espiritual de ‘Atlit entre magnatas cristãos ou oficiais templários, o material de origem é muito escasso. Quanto aos Templários, a estada do Mestre William de Beaujeu em 'Atlit em 1286 durante o Pentecostes pode enfatizar o apelo espiritual do local, mas é provável que a visita de William tenha sido mais de natureza política do que espiritual.56 Dito isso, 'Atlit parece atraíram nobres cristãos durante os dias de festa, o que está documentado em pelo menos um caso muito proeminente. Em 1249, Margarida da Provença, esposa do rei francês Luís IX, viajou via Acre para 'Atlit para passar a Páscoa lá.57 Dois anos depois, ela parece ter passado a Páscoa e o Pentecostes lá desde que, no final de junho, ela deu à luz um de seus filhos, Pedro de Alençon, em 'Atlit, cujo padrinho era o Mestre Templário Reinaldo de Vichiers. 58 Não se pode responder se foi a devoção, a segurança geral do castelo templário durante seu período de confinamento, ou ambos, que tornaram 'Atlit tão atraente para Margarida da Provença. De qualquer forma, Jochen Burgtorf parece estar correto em sua avaliação de que a magnificamente construída fortaleza de 'Atlit não representava de forma alguma a imagem de uma Ordem pobre e humilde (claro, nem o complexo Templário no Acre, como concluímos de o relato do Templário de Tiro); em vez disso, 'Atlit deve ter sido de fato um lugar adequado para a realeza 59 e provavelmente deveria ser, já que a presença de nobres aumentou seu apelo geral e ampliou sua reputação de ser um tanto excepcional.

Castelo dos Peregrinos : construindo a espiritualidade?

Naturalmente, a localização de 'Atlit entre Acre e Cesaréia, no sopé do Monte Carmelo, não foi coincidência, mas o resultado de considerações estratégicas. Visto de uma perspectiva mais ampla, 'Atlit representava o ponto intermediário entre Tiro e Jaffa em uma região que permaneceu notória por seus numerosos bandos de ladrões desde a Primeira Cruzada e parece ter permanecido uma seção perigosa no caminho dos peregrinos ao longo do século XIII. .60 No início de sua história, os Templários haviam assumido um posto avançado menor na área, construído durante o reinado do rei Balduíno I de Jerusalém (1100 1118) em resposta a essa ameaça contínua e chamado Le Destroit, um nome derivado do caminho estreito ou desfiladeiro nas falésias de arenito perto da costa do mar que se pretendia proteger. 61 Quando recordamos a historia  alternativa da fundação  citada  no início deste capítulo, parece que a tradição templária criou uma continuidade artificial entre o posto avançado da Ordem de Le Destroit, no início do século XII, e sua fortaleza de 'Atlit, do século XIII. Alegando que o lugar agora chamado de Castelo dos Peregrinos foi, de fato, o local do primeiro ministério de sua Ordem na Terra Santa, os Templários enfatizaram a legitimidade de sua presença na região. Também ilustra que a construção da tradição, um paralelo notável com a construção da fortaleza atual, foi considerada vital. Embora a presença dos Templários em Le Destroit possa de fato ter sido um de seus primeiros compromissos práticos no Levante, o relato alternativo da fundação subtrai sutilmente a atenção de Jerusalém, a localização real das origens da comunidade no século XII, e coloca os primeiros passos da Ordem em um contexto contemporâneo politicamente mais adequado.

Não há dúvida de que 'a localização da Atlit trouxe grandes vantagens. Evitando a perigosa estrada oriental através das regiões de maioria muçulmana da Galileia e Samaria, a maioria dos peregrinos tomava a estrada costeira que levava ao sul para Jaffa. Assim, ‘Atlit estava situada na principal estrada de peregrinação para Jerusalém e formava uma pedra angular vital da defesa desta estrada contra os ataques em andamento. A localização da fortaleza próxima à linha de vida dos peregrinos e sua função como um porto seguro para os crentes ameaçados parece ter afetado sua percepção geral e talvez até mesmo sua nomeação, já que o nome latino de 'Atlit, Castrum Peregrinorum, e seu equivalente francês, Château Pèlerin, ambos significa Castelo dos Peregrinos. Embora o nome tenha derivado da assistência que alguns peregrinos prestaram quando a construção da fortificação começou, 62 provavelmente não teria permeado as fontes de forma tão inequívoca se essa fosse sua única conexão com os peregrinos, especialmente desde então, de acordo com Oliver de Paderborn, apenas alguns ( pauci ) peregrinos ajudaram nos esforços de construção originais. 63

O relato de Oliver também se refere a ‘Atlit as Castrum filii Dei, 64 o Castelo do Filho de Deus, um nome que é de interesse especial no contexto da pesquisa em espiritualidade. 65 O texto não menciona a igreja poligonal porque ainda não havia sido construída, mas a nomeação de Oliver de ‘Atlit como a própria fortaleza de Cristo se encaixa bem com a interpretação escatológica da igreja poligonal como uma referência direta ao local da morte de Cristo. 66 Claro, a figura de Cristo sempre esteve no centro da peregrinação e da devoção cristã, e não se deve interpretar demais a questão, mas o foco teológico e litúrgico dos Templários em Cristo era único mesmo entre os contemporâneos do século XIII. 67 De acordo com o nome significativo de Castrum filii Dei, Oliver descreve 'a história de Atlit como aquela que esteve sob os auspícios particulares de Cristo desde o início: a descoberta milagrosa de moedas antigas pelos Templários (os peregrinos não são mais mencionados) foi conferida pela bondade do Filho de Deus sobre seus cavaleiros 68 e foi, de fato, tão surpreendente que até mesmo Jacques de Vitry ficou se perguntando onde os Templários poderiam ter obtido todo o dinheiro para construir uma fortificação tão magnífica. 69 Visto que os esforços de construção agora eram tão obviamente abençoados, o Senhor continuou apoiando seus cavaleiros e forneceu água potável, pedras e até cimento em abundância para garantir uma construção rápida. 70 Pouco tempo depois, quando o castelo foi sitiado pelos muçulmanos noite e dia por golpes de  máquinas, o inimigo não conseguiu mover uma pedra de seu lugar, quase como se o próprio Cristo estivesse protegendo a fortificação; quando alguns traidores cristãos disseram ao líder muçulmano quanto suprimento de homens e armas a fortaleza recebia, ele teve que perceber que na verdade era o poder divino [divina virtus] que o forçou a recuar do cerco como um homem orgulhoso e arrogante. 71 A fortaleza odiosa para os sarracenos, amada pelos  cristãos se mostrou  impenetrável . 72

Curiosamente, o nome Castelo do Filho de Deus não era tão difundido como Castelo dos Peregrinos e é, de fato, contabilizado apenas três vezes fora do texto de Oliver. O frade dominicano Vicente de Beauvais usa repetidamente o termo Castrum filii Dei para 'Atlit, mas ele copiou amplamente o texto de Oliver (com apenas pequenas alterações) e depois informa o leitor em uma nota lateral: o Filho de Deus, que é chamado 'do Peregrinos' ) 73 O mesmo se aplica ao relato contido na Chronica regia Coloniensis. 74 No entanto, embora Vincent tenha copiado o texto de Oliver, ele parece ter tido informações de primeira mão sobre ‘Atlit, uma vez que ele estava comprovadamente em contato com um de seus hóspedes mais nobres, a saber, Margaret de Provence. 75 Outra referência ao título incomum de 'Atlit como o Castelo do Filho de Deus está contida no Liber Secretorum Fidelium Crucis de Marino Sanuto, do início do século XIV. No entanto, seu relato fornece uma explicação diferente para o nome do castelo, afirmando que os Templários reconstruíram um castelo com a ajuda de alguns peregrinos. fortaleza que mais tarde viria a ser conhecida como Castrum Peregrinorum, como acrescenta Marino Sanuto logo a seguir. 77No entanto, a versão divergente de Marino Sanuto sobre a nomenclatura de ‘Atlit parece basear-se num erro do texto que copiava, nomeadamente o de Vicente de Beauvais. Vincent aparentemente desconhecia o nome do edifício anterior, Le Destroit ( Districtum ), pois ele reconfigurou esse nome em um particípio: agora é chamado de Castelo dos Peregrinos ) Enquanto isso, o texto de Oliver, que era a fonte de Vincent, afirma claramente: Castrum Peregrinorum , quod acima do Districtum appellabatur (o Castelo dos Peregrinos que já foi chamado de Le Destroit). 79 Para dar sentido ao erro de Vincent, Marino Sanuto simplesmente apresentou sua própria explicação.

Considerando o desdém de Oliver por Acre e sua alta consideração pelos Templários, sua representação gloriosa de 'Atlit é coerente e culmina em nomear a fortaleza como o próprio castelo de Cristo. Embora alguns autores ecoassem a descrição de Oliver, o nome deixou apenas vestígios menores nas fontes, e nem os relatos dos Templários nem os guias dos peregrinos testemunham um fato surpreendente, já que se deve pensar que os Templários teriam prontamente adotado tal título para sua fortaleza. Alguém se pergunta se a consciência de Oliver da estreita associação entre os Templários e Cristo foi seu único ímpeto para nomear 'Atlit o Castelo do Filho de Deus. Incorporar a fortaleza em sua paisagem bíblica e espiritual pode fornecer mais pistas a esse respeito. Em particular, foi a estreita associação de 'Atlit com os peregrinos que serviu como um fator impulsionador na formação de suas dimensões espirituais. Os peregrinos cristãos, em sua maioria, não se interessavam pelas questões contemporâneas da Terra Santa; em vez disso, eles se preocupavam com aspectos devocionais que muitas vezes eram desvinculados das realidades históricas. 80 Para eles, a Terra Santa era o lugar do Antigo e do Novo Testamento, e era esta geografia sagrada que os peregrinos procuravam.

Uma vez que os Templários são conhecidos por terem respondido ao anseio dos peregrinos por lugares sagrados, não é de surpreender que, uma vez que eles consolidaram sua presença em 'Atlit, locais sagrados começaram a brotar também nas proximidades desta fortificação. Um exemplo interessante disso é o Peroun em frente ao Castelo dos Peregrinos, no qual o Senhor teria descansado. 81 Perron descreve uma rocha semelhante a um planalto que pode ser vista pelos peregrinos quando se aproximam de 'Atlit pela estrada do norte. 82 Enquanto a referência a Peroun em um relato datado de cerca de 1280 permanece única entre as descrições de 'Atlit e seus arredores, ela carrega uma notável semelhança com a tradição do chamado Trono de Jesus, 83 situado no extremo oeste do norte parede da esplanada do Templo em Jerusalém. 84Como a rocha em frente a 'Atlit, o respectivo local em Jerusalém foi associado ao Repouso de Cristo, e enquanto a estrutura em Jerusalém estava diretamente ligada à Paixão de Cristo como parte da própria concepção dos Templários da Via Dolorosa, a estágio alegado da vida de Cristo em 'Atlit permanece obscuro. À primeira vista, a associação desta pedra sagrada com Cristo pode fornecer uma explicação adequada para o nome do castelo, mas nem Oliver de Paderborn nem um peregrino desconhecido visitando 'Atlit em 1231 o mencionam, sugerindo que a história não estava circulando ou não era amplamente divulgada. Curiosamente, o relato de um certo Filipe da segunda metade do século XIII também conhece uma rocha fora do castelo, mas neste particular rocha acredita-se que a Virgem Maria tenha descansado. 85 Se esta tradição estava ligada à veneração mariana amplamente popular nas proximidades,86 ou se as fontes realmente se referem a duas pedras diferentes, uma de Maria e outra de Cristo, é difícil determinar. Infelizmente, nenhum documento templário oferece informações sobre essas tradições locais de veneração. Uma vez que nenhuma das duas tradições se encontra em itinerários anteriores à construção do Castelo do Peregrino, parece plausível que os Templários tenham estado entre os que encorajaram estas formas de devoção associadas ao seu castelo e podem mesmo tê-las criado à semelhança do que fizeram com Trono de Jesus em Jerusalém. Para recrutar novos membros e obter apoio financeiro, os Templários precisavam atrair o máximo de atenção favorável possível; 87 assim, criar e posteriormente apresentar espaços sagrados nas imediações dos seus estabelecimentos era considerado um meio viável de se integrarem no tecido religioso da paisagem em que se instalaram, 88 ainda que existisse apenas uma base histórica questionável (se é que a havia) para sustentar esses espaços como sagrados.

Na verdade, ‘Atlit viu um dos esforços mais bem-sucedidos para construir a espiritualidade na Ordem dos Templários. A fortaleza era amplamente conhecida por guardar as relíquias de Santa Eufémia, 89 e os guias peregrinos referem as relíquias desta mártir da Igreja primitiva e Castrum Peregrinorum no mesmo contexto. Os respectivos textos diferem até certo ponto nos detalhes que fornecem: enquanto alguns falam do corpo [corpus] da virgem e mártir Santa Eufêmia dentro do castelo,90  onde é guardada com grande veneração pelos Templários, 91 outros relatos são mais vagos e referem-se apenas à casa dos Templários, onde se guarda Santa Eufémia, virgem e mártir. 92 Em todo o caso, a quantidade de textos que comentam as relíquias sugere que a sua presença na fortaleza templária era do conhecimento geral dos peregrinos. As relíquias guardadas no Acre e mencionadas por Antonio Sici recebem bem menos atenção em outras fontes. 93 As relíquias de Santa Eufêmia não eram apenas populares entre os peregrinos que visitavam a Terra Santa: como Helen J. Nicholson enfatizou, os Templários também parecem ter ficado muito orgulhosos de que sua Ordem guardasse tais relíquias de prestígio; conseqüentemente, muitos dos Irmãos interrogados durante o Julgamento dos Templários sabiam de seus santos restos mortais e até viam a posse deles como um sinal da inocência de sua Ordem. 94    Há alguma incerteza em relação às partes reais dos restos mortais da santa mantidas em 'Atlit. Os textos dos peregrinos retêm informações precisas e apenas se referem às relíquias como o corpus, o que deixa dúvidas se os peregrinos comuns foram autorizados a se aproximar dessas relíquias. Alguns Templários mencionam apenas a cabeça (caput) da mártir Eufêmia. De fato, uma descrição do Julgamento dos Templários é excepcionalmente detalhada: o Irmão lembrou que tinha visto a relíquia enquanto estava em Nicósia, no Chipre, depois que a Ordem evacuou ‘Atlit; ele se lembrava de duas cabeças com cristas de ouro, e uma delas dizia ser a de Santa Eufêmia, a outra ele nada sabia. 95 Outro Templário, também durante o Julgamento, afirmou ter ouvido falar de um Irmão que havia tocado com o cordão do hábito uma cabeça que fazia parte do tesouro dos Templários no Castelo dos Peregrinos; presumivelmente, ele também estava falando sobre Santa Eufêmia. 96

Alguns Templários sabiam que o corpo de Santa Eufêmia havia chegado ao Castelo dos Peregrinos pela honra do Senhor, onde operou muitos milagres, e estavam convencidos de que não o teria feito se os Templários fossem não uma Ordem virtuosa e agradável a Deus. 97 A referida narrativa do século XIII de Philippus comenta explicitamente esta chegada das relíquias a 'Atlit, afirmando que, na mais venerável fortaleza dos Templários, o corpo de Santa Eufêmia, virgem e mártir, é mantido em grande veneração, e  que foi milagrosamente trazido para lá da cidade grega de Calcedônia. 98 O facto de as narrativas relativas a este milagre da tradução circularem dentro e fora da Ordem é prova de que ambos os grupos, templários e peregrinos, interagiam entre si. Também sugere que os Templários estavam propagando intencionalmente essas narrativas. Os Templários tinham, é claro, um profundo interesse em associar tais experiências espirituais com sua própria Ordem, mesmo que, como Helen J. Nicholson explicou, as relíquias de Eufêmia em 'Atlit provavelmente não fossem autênticas. 99 Dito isto, os próprios Templários acreditavam genuinamente na autenticidade das relíquias, e a maioria deles provavelmente não sabia que a chegada dessas relíquias em 'Atlit não constituía um milagre, mas sim o resultado de um ataque dos Templários durante a Quarta Cruzada. 100 No caso das relíquias de Eufêmia, a Ordem teve grande sucesso em divulgar a presença dos restos mortais entre os peregrinos e vinculá-los a uma de suas mais importantes fortalezas na Terra Santa. Em ‘Atlit, isso criou uma aura que certamente foi benéfica para a reputação geral da Ordem entre os cristãos latinos. 

Conclusão

O ‘Atlit do século XIII deve ter sido um lugar notável. Não só servia de castrum inexpugnabile, 101 fortaleza militar de magnífica extensão, como também era local de devoção e cuidado espiritual para os membros da Ordem do Templo, para os associados da Ordem e para os peregrinos que por ali passavam. Como indicamos, o Castelo dos Peregrinos oferecia instalações religiosas sem paralelo em outras grandes casas templárias como o Acre. Essas instalações forneciam um critério autônomo para ‘Atlit – um forte componente escatológico que era absolutamente fundamental para a saúde espiritual de uma comunidade religiosa militar como a Ordem do Templo. Enquanto o cemitério de 'Atlit, sua prisão e talvez também sua igreja pertencia principalmente a membros ou associados da Ordem, visitantes externos, especialmente peregrinos, eram atraídos para a aura da fortaleza pelo que lhes era apresentado em termos de tradições bíblicas e da Igreja primitiva. Esses espaços sagrados criados cercaram ‘Atlit com uma espiritualidade construída que respondeu ao anseio dos peregrinos por lugares bíblicos. Isso, por sua vez, resultou em uma percepção positiva e aprimorada da Ordem e de seu ministério por parte dos cristãos latinos. Consequentemente, ‘Atlit serviu necessariamente como uma plataforma para a Ordem se exibir, e essa função não foi apenas reconhecida, mas totalmente instrumentalizada em favor da reputação da Ordem. Não há dúvida de que ‘Atlit foi significativo em muitos aspectos, mas seu papel espiritual acrescenta mais uma camada à percepção histórica deste Castelo do Filho de Deus bem no coração do reino latino de Jerusalém.