26.5.12

Os Tabuleiros em Carregueiros ou outra prova das influências orientais nos cultos da região



                                      
A propósito da procissão dos Tabuleiros que se faz todos os anos na freguesia de Carregueiros(Tomar)   e mais uma vez  hoje  27  Maio. ..Domingo do Espirito Santo: concentram-se os tabuleiros no adro da capela de Santo Amaro sita na rua da Cerca.São da altura das raparigas que os trazem e correspondem tradicionalmente a uma promessa feita ou agradecimento de graça recebida. Tabuleiros com suas fiadas pentaculares(5 canas),cada uma com 6 pães de 400 gramas,enfeitados com flores naturais e espigas de trigo; encimados pela  pomba do Espirito Santo.
Procissão que traduz a antiga oferta das primícias das colheitas,o linho e o pão,sob a forma de fogaça a depositar no altar, como ainda se faz no lugar do Freixo-Alviobeira(por exemplo)onde antes da missa há a recolha dos tabuleiros e oferendas.Também fora do concelho,nas regiões da Batalha e Leiria,as moças desfilam com açafates de pão enfeitados à cabeça.   Raparigas com o traje branco virginal rendado,faixa de seda colorida,sapatos de carneira branca;os mancebos a seu lado de fato domingueiro.
Á frente, alçada a cruz de prata,logo seguida de dois confrades- mordomos com lanternas e o Pendão;segue-se o juiz com a coroa de prata lavrada;ao todo sete confrades do Divino Espirito Santo com suas opas vermelhas; precedendo-os os bombos e gaita de foles.Depois o povo. Segue a procissão até ao outeiro da igreja de S.Miguel - o santo dos lugares altos - já fora da povoação.  Ali há missa cantada e benção do pão; benzem-se os tabuleiros e revezam-se os irmãos.  No regresso a procissão dá a volta às ruas da povoação e segue até casa do juiz,distribuindo-se ali o pão bento. Dantes , até ao sec.XVII, o bodos faziam-se nas igrejas...
Em sua casa,enfeitada com vasos de trigo,feijão e aveia - os quais são semeados 3 semanas antes - crescendo no fundo escuro de uma arca e  pela ausência de sol, nascem uns filamentos amarelados assim como cabeleiras louras. Então o juiz sentando-se na cadeira,entre as cabeleiras,vai impondo sobre a cabeça de quem o desejar, a coroa ,ao mesmo tempo que invoca o Espirito Santo, comunicando as suas graças,a esperança messiãnica na potestade divina,de que a terra sempre dará bons frutos..
.À tarde há baile á frente da casa do juiz,cantando-se ´a desgarrada e bebendo vinho ofertado pelo juiz.
Repare-se no vaso com as cabeleiras ...ao lado do juiz , numa evocação que fizemos o ano passado durante a festa dos tabuleiros em Tomar, junto á albergaria medieval de S,Brãs .

No dia seguinte faz-se a entrega da coroa e do livro de registos da confraria ao novo juiz,depois do almoço ritual de carneiro,com os confrades mais velhos,ficando alguns borrachos.Na sua nova morada faz-se a conferência das alfaias e os juizes dão o beijo da Paz medieval.   Realce para o facto que a coroa de prata da freguesia é uma das mais antigas e preciosas do concelho ,que durante as invasões francesas esteve escondida de baixo de um degrau de pedra na soleira de uma porta da terra....
Estralejam foguetes à compita ostentatória entre velhos e novos mordomos,durante horas!
Actualmente o numero de tabuleiros tem vindo a diminuir,tal como noutras freguesias,devido á raridade das promessas. No rosto dos jovens que os transportam é visivel o cansaço  e não só pela falta de hábito de transportes á cabeça: a questão é que dantes eram todos mesmo romeiros e havia neles uma força interior que os animava,era o "enthousiasmus",a entrada do "sopro de Deus" neles,a fé na promessa...Hoje resta a afirmação de identidade do lugar...que esperamos que continue!
Quanto á origem da festa, costuma dizer-se que se perde na noite dos tempos... curiosamente é da escuridão no fundo da arca, onde germinam as cabeleiras, que vem a luz sobre o assunto.Sem significado ou  relação lógica aparente,neste ritual dos mordomos é possivel afinal descobrir uma espécie de vestigio de arqueologia teológica, tradutor da sua verdadeira origem...
Efectivamente relata-nos Ernest Renan na sua "Missão na Fenicia" que ali encontrou vários vestigios de cultos a favor das chuvas e da regeneração da vegetação,entre os quais o seguinte cerimonial: as mulheres cultivam em suas casas os chamados "jardins de Adónis", formados por vasos domésticos nos quais se semeiam no escuro e no calor das habitações, gramíneas como o trigo e ervilhas;as plantas germinam rápido sob a acção do calor,mas expostas à luz logo murcham,devido à fraqueza de suas raizes,simbolizando o definhamento da vegetação- a morte do trigo pelas ceifas - a existência efémera da divindade.  Também no sul de Espanha,   Franz Cumont, no seu estudo sobre a antiguidade dos cultos sevilhanos , constatou  que nos primeiros séculos da nossa era se compravam vasos e sementes,plantando-se e semeando-se os "jardins de Adónis" por ocasião das festas locais; os quais se levavam em procissão percorrendo os crentes descalços os campos . No final os jardins efémeros eram lançados no abismo ou poços.Ritual segundo ele introduzido nas Hespanhas pelos fenícios e cartagineses,o qual parece, ainda não desapareceu de todo...Também em Monsanto se fazem despenhar potes de flores nas festas locais...

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