22.2.25

As Moendas de Aquém e Além mar: De Thomar à Terra Santa

                           


–As Moendas de Aquém e Além mar: De Thomar a Terra Santa…  a vera História : a das Origens  ( não a das indústrias da época contemporânea )...

Há uma história da Levada que é muito anterior à eletricidade, à serralharia e à panificação moderna, mesmo anterior ao período manuelino: é a história das Moendas no tempo dos Templários! Vamos contá-la aqui como presenciada(Extratos do livro "De Eyreia a Sophia" a ser lançado a 1 março)

     MOINHOS DE FARINHA 

    “ Aproximamo-nos agora  mais da Ribeira onde está uma levada que corre ao lado de uma pequena língua de terra e que termina onde estão duas moendas de farinha no cabo. São casas térreas  de pedra e cal, alongadas de umas 12 varas e telhadas, observando-se um pequeno vão por baixo. São azenhas, cada uma com sua roda externa vertical de 3m, sobre cujas palas bate a nível inferior a agua corrente vinda da Levada.   

Ao acercar-se, ouve-se um som rangente e grave e repetido de peças desgastadas da moenda.

Observando aquele lugar com os olhos da memória antiga, ainda consigo ver as argolas na parede onde se prendem os burricos  com suas albardas e seus sacos de grão de um lado e outro!

`A porta, o moleiro ajuda uma gentil moura com  sua carga à cabeça  em tom bem ecuménico...

Entramos na casa de terra batida onde se amontoam à fraca luz de um candeio sacos de estopa e quartas de rasa cheias de grão  a um lado e em outro foles de pele de cabra e taleigos tudo branco da poalha de farinha assim como o moleiro que agora vai  abrindo a boca de um saco com a mão esquerda, enchendo-o com a direita retirando com uma pá a farinha caída à frente da mó no tremonhado (reservatório).

Aqui há 2 mós , uma alveira (trigo) e outra  segundeira (centeio), alinhadas qual ala guerreira para o combate da fome !   

E o olor da farinha nos cercando penetra-nos avivando cheiros  perdidos da infância!

A nossa frente uma caixa de pau, de castanho, com 3 palmos de altura onde se deita o grão a que se chama moega que é em forma de funil e está suspensa das traves no tecto por paus e cordas. Ligada ao fundo da moega está a caleja de palmo e meio descendo e encurtando no cabo, por onde escorre o grão sobre o olho da pedra mó abaixo.

É uma mó alveira (que faz pão alvo)  de calcário de 5 palmos de largo ou seja uma vara, grossa (alta) de umas 8 polegadas ou seja um palmo, pesando circa de uma tonelada, tendo por baixo outra pedra, chamada pouseira, da mesma largura mas maior grossura (uns 30 cm), oriunda de pedreira diferente, assente num estrado no chão com guardas de madeira à volta da mó - o cambeiro - e um panal.

E olhamos um pedaço de pau  preso à caleja de um cabo e por outro saltitando sobre a pedra corredoura e comunicando assim sua trepidação à moega, facilitando assim a queda do grão, por isso lhe dão o nome de chamadouro ou tingidouro.

Súbito ouvimos tocar um sino ou melhor um badalo de animal, mas não vimos nenhum...Ao que nos informam que ele o chocalho está no meio do grão e se solta quando já há pouco grão dentro da moega  avisando assim o moleiro que é preciso enchê-la  de novo!

E demandando ao moleiro, homem do Templo, que nos ensine todos os mistérios daquele maquinismo, ele - iniciado - nos revela a parte invisível para nós naquele ponto. Assim no dito olho ou buraco da mó corredoura de 4 polegadas mostra que se encaixa pela parte de baixo uma peça de ferro -- a segurelha - com orelhas de um palmo de largo, as quais suportam e fazem mover a mó  ao rodarem elas mesmo solidárias com seu eixo central que é um pau de 3 varas de comprido, composto de 2 partes, o veio e a árvore, apertados por cunhas de madeira e vielas ou argolas de ferro. Esta árvore  termina por um aguilhão de pedra ou ferro, que gira numa cova de pedra - a rela - sobre uma trave móvel -  a erreira - de madeira de carvalho nos fundos da casa.

Acima da moega (caixa onde se deita o grão)  e preso à árvore (vertical) está um  carreto ligado ao  eixo da mó, comunicando  com  uma roda pequena dentada a que chamam  entrosga, com cerca de 1 metro, que se move sobre eixo (horizontal) vindo de um orificio na parede lateral da azenha  e que se comunica com a grande roda exterior. Assim se transformando o movimento vertical em horizontal. Mas como o carreto tem menos dentes que a entrosga, acontece que por cada volta da roda vertical , dará várias  voltas a mó, potenciando assim  o seu movimento. 

A boca da calha contém uma porta ou pegadouro que o moleiro pode accionar, desviando a água  quando quer parar a mó.

À entrada dos canais sob a Levada há adufas (comportas) de carvalho a que chamam madre. Nas azenhas a água corre assim velozmente por calhas inclinadas batendo nas pás das rodas inferiormente. Estas calhas inclinadas, umas são descobertas de pedra, outras cobertas de madeira, terminando junto às rodas por uma caixa com grades de pau de freixo ou carvalho.

O fluxo de agua é ali regulado também por cunhas de madeira que tapam ou destapam em parte a corrente de água. Assim se domesticam as ninfas aquáticas a que Ceres ordenou que fizessem o trabalho, antes escravo ou animal, de moer o grão e elas obedientes descem sobre as rodas fazendo girar o seu eixo por meio das palas que o rodeiam e com ele as pesadas mós... segundo um epigrama de Salónica! “ (...)


LAGARES  DE AZEITE 

      “ Chegámos agora ao Porto de Cavalos junto à ponte de pedra sobre o rio, a qual acaba no largo mouchão da Levada e continua depois por pontão de madeira sobre a dita levada, até à  Corredoura. Daqui se avista acima da ponte o grande açude de pedra erguido pela Ordem no rio  de modo a represar a água e elevar o seu nível. E uma adufa que regula a água da levada para os moinhos e lagares.

Aqui é portagem de almocreves que chegam do Alvito ou da ponte de Peniche e outros lugares. 

Molhos de ervas são comprados para as montadas que vem cansadas dos velhos e longos caminhos. Ponto activo de trânsito dos produtos que entram e saiem da vila,  pois é grande o movimento nesta Via, na estrada entre Coimbra e Santarém, a região principal produtora da melhor  qualidade de azeite, terra do Sangraal da mais e melhor Luz sobrenatural que alumia os crentes! 

Aqui se descarrega a muares a azeitona da dízima e das rendas de foros.

Assim a oliveira, árvore emblemática da paz, é  transformada  frente à memória da divina paz ou  de S.Iria (do outro lado do rio) em cujo telhado as pombas simbólicas descansam.

 Aqui onde chega agora mais um muar carregado de oliva, conduzido por um judeu, qual Messiah entrando no  burgo ierosomolita, vindo do monte das oliveiras acima de Sta Maria dos Olivais.   

Esta oliva se guarda na Tulha ou paço de verga - mui movimentado neste tempo de safra - que fica sobre a ponte de madeira que é sobre a Levada  construída pela Ordem e que transporta a água vinda da comporta reguladora a montante do rio. Esta tulha é uma casa de madeira (10x5m) com uma dezena de caixas enormes de madeira – de 1 vara de altura- alinhadas de encontro às paredes, divididas para que não se misture o azeite de dias diferentes, pois sua fundição é diversa e onde a azeitona fica á espera de vez de ser moída no lagar ao lado, pertença da Alcaidaria. Na tulha cheia e fechada a azeitona recoze às vezes, sendo a casa não arejada e não seca, estragando-se pela demora e saindo o azeite mui ácido. À porta o escrivão e medidor - o Frei dizimeiro - anota tudo que entra e sai, pois se paga o dízimo à boca da Tulha, segundo o costume. 

E sendo levada nesta altura uma moedura (de 40 alqueires, segundo nos informam) da tulha para o lagar, neste se abrem as portas e somos recebidos pelo Mestre Lagareiro, homem de baixa estatura, mas bom sabedor do ofício, “ parvus sed magnum”, que nos vai  mostrar  como funciona e assim nos iniciar nas artes da oliva e do seu precioso óleo, símbolo  da misericórdia divina...e desde logo nos sentimos submergidos num intenso cheiro a azeite novo!

O lagar é casa térrea  de duas águas de forma abarracada, de pedra e cal, madeirada de castanho e carvalho e coberta de telha vã. As fachadas da casa-moenda tem 2 níveis: o mais alto virado para a Levada, onde entra a agua que desce em  declive, batendo contra as palas da roda vertical de madeira  e o mais baixo a oriente por onde se vai a água, para o nível inferior do rio, por canal e corredor entre lagares.

Por  dentro uma sala grande, de 20 x 15 varas, imersa numa escuridão só vencida por candeio de barro de torcida de trapo, pois o azeite se obra melhor à sua própria luz!  

Primeiramente nos chama a atenção, por seu movimento, o pio ou grande tanque redondo de pedra com cerca de 1,5 varas de largo, de paredes inclinadas, onde se deita a azeitona por cestos de verga, para ser esmagada. Dentro do pio  as 2 galgas: grossas rodas de granito verticais unidas ao eixo  central - a baluga -  por grosso ferro e que girando  à volta, a uma velocidade múltipla da roda exterior, segundo o princípio já dito atrás a propósito das entrosgas das moendas, vão esmagando lentamente a oliva  e transformando-a numa pasta escura  e gordurosa!  

A azeitona moída escorre para uma talha grande, enterrada, com tampa de pau. Aí a massa ou murraça escura é tirada com gamela ou tacho de madeira de 1,5 alqueires para as seiras que são sacos de esparto redondos e largos de cerca de  1 côvado com  suas abas no cimo e terminando por uma abertura ou  boca de um palmo. Cada  seira leva a massa de uma gamela tirada, havendo ali várias seiras, onde trabalha um ajudante do lagareiro.

Depois de cheias, as seiras põem-se empilhadas, para serem prensadas, sobre a  sertã  redonda de pedra. Sobre as seiras colocam-se umas travessas de madeira, por cima das quais assenta a vara ou prensa torcular, actuando de cima para baixo, comprimindo a massa de azeitona a fim de extrair o azeite. Esta vara é um grosso e informe tronco de árvore na horizontal de umas 10 varas de comprido com um cabo mais estreito encravado na parede da casa  e no outro extremo, mais grosso, há um orificio onde trabalha o fuso ou parafuso de madeira - terminando por uma pedra de peso – descendo a vara através do fuso ou rosca de carvalho com sua tranca movida a braços, descarregando a sua força sobre o ençeiramento.

Este lagar da alcaidaria  tem 2 varas destas com suas peças e aparelhos. Cada vara prensa 2 zonas de enceiramento ou alquergues. Trabalhando noite e dia - pelo que o mestre dorme no lagar a bem da vigilância - pode moer até 4 vezes ou seja tem uma capacidade de 160 alqueires (4 moeduras de 40 alqueires). Ora sendo a capacidade da tulha de uns 5 mil alqueires, levará um mês exato a moer…

 Depois  de espremida a massa, procede-se à caldagem:  levantando-se a vara e remexendo a massa espremida na seiras, deita-se-lhe água a ferver, aquecida na caldeira sobre a fornalha e baixa-se de novo a vara.                                       

As seiras espremidas pelo peso da vara escorrem por meio-dia seu azeite e água ruça pela bica da sertã, ali onde um candeio de barro alumia. Donde sai por calha para um vaso de barro instalado  numa espécie de bancada com altura igual à altura das tarefas, um pouco abaixo da sertã e à sua frente.  

De formato redondo a tarefa (no norte chamam-lhe Tesouro, vera riqueza da Ordem! ) é onde  se efectua a separação dos líquidos lentamente. O azeite e a água se separam, vindo o azeite à superfície, porque mais leve. Enquanto a água ruça  resíduo mais denso que o azeite  se deposita na parte inferior da tarefa.” (...)

(Nota: os termos técnicos vão explicados no livro em rodapé)


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Moendas na Terra Santa


—   Vejamos agora o que se passa(va) na mesma época na Terra Santa. Baseamo-nos num artigo de  Rabei Khamisy da Univ de Haifa, sobre as moendas do Templo em Acre, que eram de…açúcar ! (artigo comentado pelo arqueólogo  Adrian Boas, n/ conhecido dos Encontros de Ordens Militares em Palmela).


Desde Março 1160 (coincidência significativa: data coeva do castelo de Thomar)... que um  homem chamado Reinaldo Falconiarium  recebeu proposta do rei(no) latino  de Jerusalém  para desenvolver a indústria do açúcar e  seus  moinhos na região de Acre no tempo das Cruzadas.E a situação no séc XIII  na segunda metade do século era a seguinte:    Na região da Galileia os templários possuíam o castelo de Safed , um dos mais   importantes do reino cruzado,  além do castelo dos Peregrinos a sul de Haifa (de que já falámos, em blog anterior)… sendo no espiritual vizinhos do monte Thabor.


(Thomar ou Thabor ... a mesma Luz!)



Além disso a  Ordem estava envolvida na agricultura local, detendo terras  na alta e na baixa Galileia ocidental: na parte norte Somelaria, uma grande vinha templária  e na parte sul, os templários possuem Dochum e Thamr , anexas, sendo a maior propriedade de uma Ordem na zona do Acre…enquanto  os hospitalários detinham Damor e Tall Kisan  havendo noticia de terem recebido doações -segundo o seu Cartulário  geral - de um tal  Johannes Costa (português?) e um Johannis Marran (judeu?)... pois só as Ordens  tinham os recursos financeiros para levar a indústria adiante. Só as Ordens tinham capital para construir os equipamentos e infra-estruturas necessários – os moinhos e os sistemas de irrigação.  Em 1262- assinalam-se disputas entre o Hospital e o Templo - sobre o uso da água do rio Bellus  na plantação da cana de açúcar (citado por Joinville).  Em Dochum o Templo possuía  um moinho fortificado com seu reservatório, na região de Recordana  onde havia uma casa importante do Templo, onde se faziam reuniões capitulares.


(Acre e seu termo, propriedades)


 –O emprego de moinhos de pedra seguido da prensagem (para melhorar a eficiência de extração) para o processamento da cana-de açúcar expandiu-se rapidamente durante todo o ciclo dessa cultura no Mediterrâneo. Na etapa de extração:  “ Os feixes de cana são levados por jumentos ou camelos à “casa da cana”, onde lascam a cana ao meio, cortam as metades, sobre grandes mesas de madeira  levando-as para as moendas de mó e movidas à água, ou, á maneira das antigas prensas  de azeite, de alavanca ou parafuso” (sg. LIPPMANN, 1941, V.1, p. 271) . A moenda de mós de pedra utilizada era construída a partir de um grande disco de pedra com aproximadamente seis pés de diâmetro e peso superior a cem quilos, que na posição vertical, rolava circularmente numa espécie de tanque, esmagando a cana-de-açúcar.. A mó era  furada no meio onde era encaixado um eixo de uma roda horizontal. Nessa roda adaptava-se a força motriz desejada que fazia com que essa pedra, na posição vertical, girasse  em um movimento circular  triturando o material  à maneira do moinho da azeitona. O processo de moagem utilizado não proporcionava uma separação completa do caldo e do bagaço. Logo, utilizavam uma segunda etapa a fim de complementar o processo: punha-se o bagaço em espécies de sacos de junco flexível, e espremiam-no  em prensas de alavancas.,          –Existem relatos sobre a utilização adaptada de um outro tipo de moinho de pedra para o processamento de cana-de-açúcar, tratava-se de um moinho para produzir farinha de trigo . Esse equipamento era constituído de duas pedras circulares sobrepostas, a parte superior girava sobre a inferior que permanecia imóvel, os pedaços de cana-de-açúcar eram colocados entre as duas pedras e macerado. Depois o bagaço era prensado para melhorar a eficiência de extração.                                                                                               Na  Granada muçulmana em Espanha, durante o século XII , usava-se um pilão para a extração do açúcar . “cortava-se a citada cana, se está madura e boa, em janeiro: depois a recortam em pequenos pedaços, que são quebrados em pilões, moídos, fazendo-se o cozimento em caldeira” (Segundo LIPPMANN   no ano de 1150, em Granada, existiam  14 fábricas de açúcar que utilizavam pilões acionados por animais de carga ou pela força d’água.     

A  utilização na Idade Média do açúcar era principalmente medicinal. Acreditava-se que a saúde dependia do equilíbrio de elementos quente, frio, úmido e seco do organismo, e o açúcar era o componente quente e energético. O açúcar  era quente no primeiro grau e úmido no segundo. Isto tornava-o num alimento equilibrado e agradável, mas também se pensava que tinha propriedades que realçavam outros ingredientes, sendo por isso um componente frequente em receitas medicinais: letuários, xaropes e outros medicamentos.                         No “bairro” templário de Acre eram visíveis centenas de moldes para separar o açúcar em cones de cristal e potes cerâmicos de melaço liquido. Os moldes de açúcar eram feitos de barro em forma de cone com furo na extremidade.  Primeiro a cana-de-açúcar era picada, triturada e depois fervida em cubas. A mistura resultante era  despejada em moldes que foram colocados sobre potes de cerâmica. À medida que a pasta de açúcar esfriava e engrossava, o açúcar líquido pingava lentamente no pote como melaço, enquanto o açúcar cristalizado começava a se formar no molde. Ao final do processo o molde estava cheio de açúcar e o pote cheio de melaço.                                                                                                                  Como alimento na Europa só aparece em meados do século XIV e  devido aos altos custos da importação; só na mesa de luxo de reis, primeiramente, como alternativa ao mel.  



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