26.8.11

1511-1811-2011 Evocação do Nascimento e posterior Desaparecimento do famoso Cadeiral manuelino do Convento de Cristo em Tomar






 Mestre Olivier de Gand (Flandres), entalhador de arte flamenga, surge documentado em Tomar, em 1511, a trabalhar no coro do convento, com uma equipa de sete oficiais de marcenaria e associado ao galego Fernão Muñoz , que continuará a obra após a sua morte .
Nasce assim o espectacular Cadeiral gotico, feito em madeira da India rematado por um grande baldaquino em filigrana, obra de arte unica no seu genero, retratando os cavaleiros de Cristo…que ali se sentavam para assistir aos oficios divinos da charola, (quando à noite, à luz de uma grande vela disposta sobre cada cadeira)… Lateralmente 30 cadeiras espaldadas- 15 de cada lado simetricamente- cujo numero evoca as 30 novas comendas criadas por D Manuel ,administrador da Ordem em seu Capitulo de 1503, para recompensar os services prestados na dilatação do Imperio.
Decorativamente, acima o imaginário régio nas esferas armilares e cruzes de Cristo, depois o imaginário da conquista cristã pelos monges-guerreiros da Ordem, em exaltação do projecto imperial e cruzado de D. Manuel.
Como comentou circa 1700- Fr. Jacinto de S. Miguel, monge de S. Jeronymo (Códice 8842, fl. 197): "O Coro é fabrica admiravel, naõ tem igual neste Reyno, e por ventura, nem em toda a Espanha. He obra de talha (...) em que se vem os antigos freires com habito clerical com barretes na cabeça e cruzes de Christo no peito e muitas figuras em nichos, humas de relevo, e outras de meyo relevo. Vêem se tambem laçarias, folhagens, e brutescos (figuras animais)… tudo primores da arte”
Em pormenor, na imagem (publicada por Barbosa,in Monumentos,1886) que apresentamos, observa-se a comunhão da corte celeste e terrestre numa temática real e alegorica …onde podeis ver 4 series agrupadas de figuras (numa distribuiçãso numerica 4-3-3-4) em volta de uma personagem central : eventualmente D.Jaime de Bragança, sobrinho do rei e vencedor no Marrocos…






             












Na 1ª parte, a evocação da corte manuelina : olhando-se entre 2 criados(?) …D.Maria , princesa aragonesa, segunda esposa de D.Manuel, acompanhada de seu músico do cancioneiro Garcia Resende ou alegóricamente a Fama acompanhada da musica ,como no auto do mesmo nome de Gil Vicente –em glorificação das campanhas e vitórias portuguesas, acabado de representar pela 1ª vez em 1510…



No outro extremo, a corte celeste: entre um condestavel protector com menino e um evangelizador de indios(?), as figuras inconfundiveis de um S.Jorge e de S.Tiago c/bordão de cabaças.


Centralmente, a um lado da figura principal, a milicia de Cristo nos seus 3 componentes: o prior (D.Diogo Pinheiro :vigário geral), o sergento com o cavalo e o guerreiro-cavaleiro com manto; do outro lado a evocação épica do patrimonio do reino…terras decobertas e povos subjugados… empresas associadas à Ordem de Cristo, cujos elementos levam ao peito (e nas velas) a cruz de Cristo. …talvez um Nuno Ataíde –capitão de Safim-em 1508…o “guerreiro do rei” em Africa…e os feitos e governadores na India e Brasil ,de que são exemplo recente : Afonso Albuquerque conquistador de Malaca em 1511 e Pedro Alvares Cabral ..conforme às representações de época…



Se quereis imaginar o antigo cadeiral do Convento…



vêde o cadeiral coevo da Sé do Funchal …de grande qualidade artística e atribuído também a Olivier de Gand. (1512- é a data de um pagamento de lavor de talha na Sé)…e para onde D.Manuel nomeia em 1514 –o Prior de Tomar como 1º bispo do Funchal.
Na capela-mor, o esplendoroso cadeiral de talha dourada e policromada a azul, de duas ordens de cadeiras, distribuídas em duas fiadas confrontantes,As cadeiras baixas, mais pequenas (para os capelães) interrompidas por duas escadas de acesso às posteriors (como em Tomar ); as cadeiras acima, de espaldar alto, (reservada aos capitulares) seccionado em vinte e dois assentos por pilastras rematadas por coruchéus dourados, possuindo a meio, figuras relevadas, assentes em mísulas esculpidas, retratando apóstolos, profetas, santos e monges em trajos do sec XVI . Encima o conjunto baldaquinos, subdivididos por cadeiras, com decoração fitomórfica rendilhada, intercaladas por pilastras rematadas em pináculos …


Os acontecimentos durante as invasões francesas :

A quando das invasões , dá-se a ocupação do Convento de Tomar, primeiro como base das tropes luso-inglesas, depois como quartel de tropas francesas. Em Janeiro 1809 o general Miranda Henriques, fidalgo,senhor de comendas na Ordem de Cristo, encarregado da defesa da Beira Baixa, estabelece o seu quartel-general em Tomar,ficando assim collocado entre oTejo e o Mondego, e ao mesmo tempo vigiando a passagem do Zezere. Em Thomar e Torres Novas postaram-se os regimentos de infanteria n. 3 com 740 praças, n.° 13 com 825, n.º 15 com 672, e os restos do regimento do Porto com 360 sendo o total d'esta força 2.597 homens. (vide Luz Soriano,Guerra Peninsular,1874). A partir de abril chegaram a Tomar, os militares ingleses aliados, reorganizando as forças ,primeiro o marechal Beresfotd , depois Lord Wellington e por fim o general Leight com mais 2000 soldados ingleses. Escavam-se trincheiras e fortificam-se posições. O Convento tal como outros edificios é utilizado como aquartelamento albergando tropas e como hospital de campanha . Também o serviço de saúde estava deficitário em quantidade e qualidade, já que anteriormente na 1ª invasão Junot, enfraquecendo resistências, tinha enviado parte dos cirurgiões e ajudantes com as tropas portuguesas para França ,como legião estrangeira…
No caos reinante, Beresford conhece 3 fisicos-mores em 3 meses : o primeiro, inspector dos hospitais militares ,entretanto preso por ser maçon, depois o seu substituto interino,a seguir um nomeado régio…(Carlos Vieira Reis,2006)
Neste quadro, o marechal chama ao seu quartel-general Andrew Halliday como conselheiro de saude e é natural que por aqui tenham passado todos os « facultativos » disponiveis em observação de idoneidade para os lugares …(numa antecipação da junta que será legalizada no ano seguinte)…
Nesta classe , há referências entre outros a um Manuel Tavares de Macedo, medico empregado num hospital militar instalado na cordoaria da Junqueira…que surge (á posteriori) requisitado para as linhas de Torres …(in Luz Soriano, Historia da Guerra Civil , segunda epocha-guerra peninsular,tomo III, Lisboa,1874, pp. 271-472)
-Terá sido neste contexto de insegurança que é feito o conhecido desenho do antigo cadeiral de Tomar, como memoria futura, assinado por Macedo em 1809 (possivelmente o medico militar referido acima, episódicamente presente na “salus infirmorum” do convento de Tomar…acompanhando o movimento das tropas aliadas…
Com a retirada estrategica para as linhas de Torres Vedras e com a aproximação do exército de Massena, no mês de Outubro de 1810,varias dezenas de milhares de habitantes das vilas e freguesias rurais abandonou as suas casas, migrando para a margem esquerda do Tejo, outros para a capital ou para as serranias (Em Vale de Cavalos e Pinheiro Grande há refugiados de Tomar e Asseiceira ,segundo os registos de óbitos locais da época. Também os freis do convento encabeçados por seu Prior D.José de Castro abandonam Tomar, com vista a salvar livros e alfaias, dirigindo-se a Lisboa.
Incapaz de ultrapassar as linhas aliadas, Massena posiciona-se entre Santarém e Tomar, aguardando reforços … A 7 outubro 1810 o 6ºcorpo do exercito frances comandado pelo marechal Ney, dispõe o grosso das suas forças (3 divisoes de infantaria alguma e cavalaria-agora reduzida a um quarto dos seus efectivos iniciais …eram agora uns 6.000 homens ) ao longo da região de Tomar e termo , de Ourem a Punhete A 2ª divisão comandada pelo general Mermet, que inclui os regimentos n° 25 da brigada Bardet e o regimento nº 59 da brigada Labasset, o parque da artilharia e o quartel-general do corpo de exército, ocupam o convento de Tomar, uns 2500 homens (Fernando Silva Rita,in Os Exercitos de Massena e Wellington no concelho de Santarém, Mestrado 2010).
Os franceses fazem tentativas de lançar pontes em Santarem e Abrantes sobre o rio Tejo, para progredir pela sua margem esquerda, .Porém a ponte de barcas que chegou a ser construída, nunca foi lançada, porque as tropas de Wellington, colocadas na outra margem, vigiam todos os locais possiveis . Para construção das pontes , desmantelam-se as casas de onde se retira madeira e ferro(barrotes e pregos),deixando-as em grande ruína… destelhadas e sem portas nem janelas… Porém as casas populares “eram de uma construção tão ligeira que poucas pranchas delas retiradas poderiam servir”…(F.Silva Rita,op.cit,acima.)… daí que talvez a madeira das igrejas e conventos fosse melhor para o caso !
Quanto ao ferro- mais de um milhar de arados foram encontrados e aproveitados pelos franceses na região, dai´ também os estragos nas Ferrarias de Tomar…Salvaram-se as Moendas ,porque eram uteis a apoiar o reabastecimento das tropas em pão. !
Durou 5 meses a permanência do exército invasor : até 7 março de 1811…
Segundo os Relatórios do Intendente-Geral francês Lagarde : Emerge de todas as partes uma fúria de pilhagem, uma raiva de destruição e de cupidez que devasta os recursos” , La Mission de Lagarde, Paris, 1991, p. 275 …Esta cupidez devoradora desce das altas esferas do exército até às mai sbaixas. O général Béchet de Léocour ajudante de campo de Ney , confessa nas suas Memorias: ter entrado por este meio em posse de um belíssimo serviço de porcelana. (que haverá mais no seu castelo de Remilly nas Ardenas ? !)…
Cerca de metade do exército percorre as estradas de Alcobaça e Santarém, saqueando aldeias e quintas da região , num raio de 40 leguas…O autor da Relation de quelques événements…op.cit. relata violências cometidas pelos soldados franceses, nomeadamente o atortura de velhos e crianças que levam pancada até á morte , obrigando-os aindicar “ onde estava dinheiro e mulheres escondidas.” (F.Silva Rita,idem). Confirma-se nos registos paroquiais: freguesia de Freixianda, 31 assassinados, homens e mulheres, Igreja nova- mataram 8 homens e 2 mulheres. Apesar disso salvam-se objectos valiosos como a coroa de prata do Espirito Santo de Carregueiros, escondida debaixo da soleira pétrea da porta, pelo mordomo da altura!…
Segundo Guingret (Relação de campanha,1817) : o 6º corpo, chega mesmo a apoiar a subsistência de outros corpos…em cereais , leguminosas e vinho…nas suas fileiras tem um soldado que fareja garrafeiras escondidas a 50 passos de distancia! …Face a esta devastação- aliada á politica de terra queimada imposta pelos ingleses- não é de estranhar que a comarca de Tomar , a quando da saída dos franceses , ao abrigo de uma portaria régia de 11 deMarço de 1811, fomentando as sementeiras : dos 2 000 moios de trigo distribuidos pela província da Estremadura, fosse a que recebeu a maior quantidade, 428 moios.! (F. Rita,op.cit; 2010)
Tambem devido ao novo espírito francês anti-clerical pos-revolução 1789, a maior parte das igrejas e conventos são atacados e devastados sem hesitações, quebram-se imagens apenas por causa das coroas de ouro, levam-se os calices dos sacrarios…usam-se os templos como matadouro ou arsenal…passeiam-se cavalos com casulas e dalmáticas ! Segundo memoria(1817) da respective colegìada: a antiga igreja templaria da Alcáçova de santarém , foi despojada de tudo o que engrandecia o seu culto, tendo o seu arquivo sido vasculhado e arruinado.
Do balanço feito em Tomar, após a saída dos franceses, em agosto 1811, consta entre outros o prejuizo com o desaparecimento do cadeiral do convento, orçado em 80 contos de reis só por si (compare-se com 501 contos de prejuizo das 13 igrejas de Santarem,somadas!-sg. F.Rita) … e atulhando o rio Nabão, ficaram 500 carradas de balas e explosivos deixados pelos franceses na fuga…(vide Luz Soriano,Guerra Peninsular). As carroças da artilharia levam agora possivelmente produtos de saque , baixelas preciosas e peças de mobiliário, talvez a transacionar em Espanha ou a levar para França, pelo quartel general ! …Quanto aos soldados de infantaria,esses já tinham até comido os burros de transporte, esgotados os recursos locais…

E hoje que fazer… de forma a perpetuar a memória do cadeiral?

-Estudar os fragmentos do cadeiral( presença de sinais de fogo ou não) , assinalados nas reservas pela DGMEN ...
-Continuar a inquirir as memorias francesas e luso-inglesas sobre a guerra (a enumeração descrita serve como pista )…
-Colocar no coro do Convento imagem do antigo cadeiral ,com memoria descritiva..
-Porque não materializar uma ala do cadeiral ,num proximo festival de Estatuas da cidade , vestidas a rigor conforme o desenho e no local próprio





2 comments:

RUI GONÇALVES said...

Joaquim gostei muito do artigo. Gostei de ver a comparação. Dá para ter uma ideia de como seria sem dúvida. Muito bem visto.
Degraconis

RUI GONÇALVES said...

Vou divulgar no face do Cethomar. Merece. Pena só tê-lo visto agora.