12.10.15

13 de Outubro - Evocação da morte do mestre Gualdim Pais




1195... governando em Roma o Papa Celestino III, este concede ao prior de S.Cruz de Coimbra, o direito : de dar a cruz a peregrinos e a quem quisesse combater os infiéis e de impôr penitências públicas. Este é ano da batalha de Alarcos, perdida por Afonso VIII contra os almoadas e onde morre frei Gonçalo Viegas da cavalaria de Evora .
Finalmente , é o ano da passagem para a glória - do Mestre Gualdim, o cavaleiro ideal, que agora abandona o seu posto, mas para ser levado ao sepulcro. O arauto do Soberano-Rei é chamado para a fruição da eterna Luz !...
Morre um herói aqui, nasce um Santo noutra parte ... pois que, coincidência significativa, este é também o ano em que nasce Fernando de Bolhões, descendente de Godofredo de Bolhões (=Bolonhês) , o primeiro cruzado da Palestina, há um século atrás, onde fora nomeado Protector do santo Sepulcro e seu irmão Balduíno de Bolonha, o primeiro rei Latino de Jerusalém.
Estamos a falar do futuro S. António de Lisboa, discipulo de Assis e evangelizador ecuménico, novo astro rutilante que se anuncia, batendo-se por uma igreja universal. Se Gualdim foi o monge que rezava com a espada, António vai ser aquele que luta com a Palavra...
Este é também ,significativamente, o ano em que morre outro grande cavaleiro: Henrique,o Leão, (casado com Matilde, filha da famosa Aleanor de Aquitânia) e fundador de várias cidades teutónicas, como Munique em 1158 e de castelos como o de Dankwarderode(1173) em Braunschweig, cuja catedral de S.Braz tem pinturas bizantinas ordenadas por Henrique....

Em Outubro... nasceu já o outono, aproxima-se o Advento. 13 de Outubro: é o dia exacto em que morre o Mestre do Templo português, Gualdim Pais; data altamente significativa, porque será também a mesma data (13 Outubro) aquela em que morrerá posteriormente a própria Ordem; mais concretamente o dia em que em França (1307) toda a Ordem será presa e desarticulada, por instigação do tenebroso Filipe o Belo.


Acompanhemos pois , os seus últimos momentos e o ritual do seu passamento.
No seu leito da Torre de Menagem, vestindo simples camisa de linho, agoniza agora o vencedor de Almansor, convivendo com os seus. . Os mais chegados são D. Lopo Fernandes, o seu lugar tenente, que segura uma tocha na mão, e o frei capelão de Sta. Maria, de branca sobrepeliz, com o livro das Encomendações.
E feitas as derradeiras orações, seguidamente o frei capelão, lhe faz o sinal da cruz sobre os olhos e sobre os lábios, oteando-o com os santos óleos, invocando a ajuda de S. Tiago: “Sede Senhor, de vosso povo a santificação e o guardião. Que graças à protecção do vosso apóstolo Santiago, ele vos seja agradável em toda a sua conduta e vos sirva em espírito sereno”.
Cantam-se salmos e recitam-se as jaculatórias, enquanto o preparam. Gualdim, num supremo esforço, ergue-se um pouco, estendendo ao alto a sua mão direita (enluvada de branco) em sinal de menagem ao Senhor, ao que acorrem os cavaleiros a dar-lhe a cruz para beijar.
Refrescam-lhe a fronte com água de rosas…Nesse momento, alimenta já em seu coração ,uma nostalgia dupla : a de seu passado,pela Jerusalém terrestre e…a de seu futuro, na Jerusalém celeste…
Aproxima-se o fim. Cobrem-no com um manto branco da Ordem. Apressa-se a encomendação da alma, redobrando as jaculatórias e orações. Ao “Proficiscere, anima christianna” o frei capelão recolhe o seu último sopro.
A face extática do mestre anuncia já a chegada do Arcanjo em turbilhão de luz pela janela norte para o ajudar a passar transfigurado, à Jerusalém Celeste. Liberto da prisão que é o corpo, ascende já à planicie da verdade, seu espírito. Reune-se assim aos Eleitos, no Vergel do Cordeiro. Enquanto um suave odor inunda a sala...
De imediato, o alcaide manda apregoar o acontecimento num espaço de 5 léguas em redor, enquanto o tangedor de campana vai ao serviço, grave, fazer três sinais, repetidos.
Breve, se encherá a alcáçova de cavaleiros e clérigos.
O tesoureiro recolhe os seus objectos (o selo com bola e a bolsa) que pertencem à Ordem, segundo a Regra, enquanto ordena que adquiram para seu enterramento tudo o que seja necessário, em pano, cera, incenso, pão e vinho.
. Para as honras fúnebres propriamente ditas , ordena uma missa oficiada e as matinas dos mortos e ladainha cantada...
.É decidido sepultá-lo com todas as honras devidas ao cargo, na igreja de Sta. Maria, bailia do Templo.

Organiza-se então a solene procissão do enterro do Mestre. Postos todos em sua ordem - conforme ao cargo e à idade - saiem já a Porta de Santiago, com muitas tochas.
À frente o monge cruciferário a pé, com sua cruz de Limoges levantada. Depois os menestreis tangendo atabales e anafis. Seguem-nos, confrades de S. Maria do Castelo, com suas vestes farpadas, de branco luto, com campanas bem sonantes, louvando ao Senhor, em suas danças e contorsões. Trazem círios, pão alvo e vinho... Logo atrás vem o senescal empunhando a bandeira da Ordem, montado em belo cavalo ajaezado, seguido de várias dezenas de cavaleiros em duas alas.
Magnificos em sua alva túnica com a insígnia do sacrifício, sobre a cota de malha. Trazem botas de couro com esporas reluzentes e vêm montados em soberbos cavalos. A espada descansando na bainha, presa por correia do lado esquerdo do cinto de couro. O manto branco esvoaçante na descida...
Depois quatro Templários, dos mais velhos, levam aos ombros em seu sudário a descoberto, em padiola, Gualdim o Mestre, precedendo a clerezia da Ordem, em sobrepeliz, dispostos segundo sua ordenação, com seus círios de 2.5 palmos na mão e recitando o De Profundis, à saída do castelo.
Descendo a calçada serpenteante chegam à vila de baixo, atravessando a Corredoura, ao cântico do Miserere, onde vilões se juntam fazendo prantos (gestos dolorosos) depenando cabelos e rompendo faces,como é costume.
Atravessada a ponte, marcham para Sta. Maria. O sino de S. Pedro Fins dá cinco golpes. Chegam finalmente ao portal da Bailia, onde a comunidade os recebe em cruz levantada, entoando o Subvenite .

                     

E entram, ordenadamente em procissão, precedendo o turiferário diante da cruz, entre tochas acesas, o caldeirinha e logo o deão de amito, alva e estola e capa pontificial, seus ministros de dalmática, o portador do livro e os demais freires, todos com círios em grande aparato.
Na essa, sobre um estrado baixo em frente ao altar, se depõe o corpo do Mestre em seu sudário - onde se lançam cinzas - em uma urna de pau, forrada a cetim vermelho, com folhas de loureiro.
Os braços sobre o peito e seu manto ostentando a rubra cruz grega, os pés contra o portal: preside ao seu último acto como Mestre Templário.

A seu lado repousa aquela gloriosa espada que tanto fizera pela cristandade. Em redor, quatro grandes círios montados em escabelos, uma cruz de Limoges à cabeçeira, e o estandarte do Templo , pendente de branco dossel. Rezadas as vésperas do dia e dito o Benedicamus Domine continua-se o ofício de defuntos com o salmear ordenado para a ocasião.
Á Antifona “Placebo Domino”... incensam-se os restos mortais... Depois, no altar com seu frontal de chamalote e dois grandes círios acesos, reza-se a missa de Requiem e tange-se de novo a campana três vezes.
O acto aproxima-se de seu término. Sobre a campa (no chão da igeja) que é aspergida, segue-se a Absolvição, com o harmonioso responsório Libera Me... E cerrada a caixa de pau, de fecho mourisco, se benze a cova onde há-de descer, cantando-se a Antífona In Paradisum e outras. Quando a urna desce, lança-se sobre ela água benta dizendo “Hoje seja o teu lugar em paz, e a tua morada a Santa Sião”... Finalmente em torno da sepultura se faz o saimento ou procissão fúnebre , com todos os vizinhos presentes, grandes ou pequenos, de cruz,agua benta, incenso e círios, seguido de colação ou distribuição de alimentos, como costume .
. Na “Mesa do Senhor”, hoje corrigida por uma sobrinha do mestre, D.Estefãnia Pais Gabere , os pobres que aparecem são fartos de carne, vinho e pão em canastras...
Os últimos raios do sol poente descem sobre o local... anoitece... nada mais é visivel a nossos olhos...entra-se no Invisível...
.
Diz quem o viu pela última vez que no seu peito era visivel um sinal perfeitamente definido, que tinha a forma de... uma flor de lys !...Era esse afinal aquele sinal que o acompanhara desde a nascença , como predestinado a grande iniciado na Sabedoria dos Eleitos...

Uma pedra aprontada por canteiro, assinalará pelos séculos, o lugar onde o justo dorme o sono eterno, enquanto o seu espírito é já a caminho dos “resplendores da luz perpétua”... E elevando os olhos lacrimosos Dona Estefânia a sobrinha viu uma pomba voando para o céu...dela se desprendendo uma pena que ficou flutuando entre céu e terra.....porque era leve o coração de Gualdim e grande o seu Conhecimento...


                     

Segundo a Norma, durante 7 dias, todos os freires devem rezar 200 Pai Nossos e os clérigos devem rezar 3 missas cada um, por sua alma. com responso cantado sobre a sepultura, levando os clérigos as sobrepelizes.

E durante o ano , realizam sufrágios temporários por sua alma., com obradas ou ofertas rituais de pão, vinho e cera , segundo o costume.
Anualmente , comemoram os monges o aniversário de seu óbito –com novo saimento e celebração de missas – e em uma cerimónia chamada “salmo e pão” onde os mortos se associam aos vivos em jantar evocativo ou “prato do aniversário”, onde na mesa em seu lugar vago, se coloca a sua ração com tudo o que à refeição se der, de acordo com a sua posição na Ordem, como se estivesse presente...
A sua gesta será gravada na pedra, nos vários castelos por si edificados: Pombal, Almorol, Tomar.

Nós, pela Graça , teu vizinho,
te saudamos e damos esta voz:
Gualdim está vivo! Sempre presente no meio de nós...
Em seu corpo ou fora dele,como diria S.Agostinho!


E em breve, por certo vai reaparecer
E de novo o cerco no burgo romper
E trará o Graal da Vida e do Pão
E aplicará a justiça de Salomão...
Ao 3º dia milenar...o Templo renascerá !
Façamos uma colação solidária, em sua memória:
... NÃO A NÓS, MAS A ELE, A GLÓRIA!


(Extraido do livro O Mestre Templario na Fundacao de Portugal,Ed. Esquilo,2011, cap.XXIV : Passagem)

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