1—Natureza externa :
apresenta-se com uma Identidade
“A cozinha medieval faz
parte do património cultural europeu. Para lá de pequenas
diferenças regionais,encontramos receitas de cozinha comuns a toda
a Europa medieval. Os cozinheiros utilizam tecnicas culinárias
comuns, as elites europeias gostam de sabores próximos, os médicos
tem discursos comuns em matéria de dietética Encontramos uma base
comum que nos permite falar de uma cozinha medieval europeia.”
”-Lilliane Plouvier« Multiculturalité, identité européenne et
habitudes alimentaires » (Project CE -DG Education et Culture)2000
De facto, se observarmos o
relato de alguns banquetes e festas senhoriais encontramos
productos básicos semelhantes, abundância e variedade de pratos
selecionados conforme os temperamentos,um serviiço ordenado
segundo categorías sociais , presença de músicos e histriões,
importância da surpresa ...
Contudo há alguma
diversidade dentro desta unidade.. A Natura oferece aos homens
alimentos diferentes segundo as regiões e em cada região há opções
entre produtos conforme a sua cultura, pensamento ou crença... Há
um significado simbolico dos alimentos... manifestação de
particularidades culturais (arabes, judeus,cristãos)....
Diz o Al-Khithab a
propósito das varias nações : “muitos são afeiçoados e
inclinados para os alimentos que outros detestam.”..
Assim os cátaros ,no fim
do sec XIII, comem flancos de porco salgado ou fumado,mas ignoram o
melão e alcachofra, trazidos peloa árabes no Trezentos á
Catalunha..(Montaillou)
Observa-se uma
diferenciação religiosa e social no consumo., como diz Teresa de
Castro in La alimentación castellana e hispanomusulmana bajomedieval
( 1996) : “Os castelhanos são por própia vontade essencialmente
carnívoros, e gostam de carne, de gorduras animais e de outras
formas de guisar que não sejam os fritos (os fritos à base de
legumes verdes constituem a entrada da Pessah judaica)... Os
muçulmanos vêem-se a si mesmos como sóbrios no gasto e consumo
alimentares, e não muito carnívoros. ..No Al-Andalus as frutas e
os cereais são os alimentos mais elogiados, e o vinho o mais
criticado... Estamos perante um paralelismo, não face a uma
convergência alimentar, no mediterrâneo hispânico ”.
Há sem dúvida,uma
influência indirecta da cozinha muçulmana na cozinha cristã como
resultado de um longo período de contacto na fronteira em
movimento... principalmente quando o Al-Andaluz era um modelo
cultural luxuoso a imitar (vide a loucura das especiarias sg
F.Braudel)..
.No entanto há que fazer
uma análise cuidada do receituário: assim, quando se fala num prato
mourisco isso pode tão só significar uma côr mais escura de um
prato...não uma receita igual...
2- Natureza interna : na
preparação é uma arte da Metamorfose
Desde o mundo classico
(greco-romano)- a cozinha é entendida como a arte de combinar
alimentos, meio de correção da natureza e de manter o equilibrio
dos humores (elementos que compõem o corpo) com alimentos temperados
e equilibrados (recuperando esse equilibrio se doente-sg. o
Hipocrates o medico grego) - adicionando alimentos de natureza fria
,quente ,húmida ou seca e suas combinações, compensando os
humores insuficientes ou corrompidos nas partes doentes do corpo
–(vide Tacuinium Sanitatis,sec XIII)
Como afirma J.Flandrin
(in Historia da Alimentação) , a propósito da arte culinaria
enquanto arte correctiva dos alimentos: “Assim as virtudes naturais
ou qualidades dos alimentos-que são instaveis-podem ser acentuados
reduzidos transformados pelas condições do meio e pela pereparação
ou tratamento culinario dos alimentos. Os varios modos de cozinhar
são assim meios para modificar as propriedaes naturais dos aliments
e para melhorar a saúde. Cozinhar misturar transformar - eis a
suprema Arte da cozinha : também tornar os alimentos mais
agradáveis ao paladar e mesmo á vista” ... como na metamorfose
ovidiana !
Com os árabes a cozinha
torna-se uma arte do tempero e de combinação de ingredientes que
modificam sabores e consistências ( propriedades dos alimentos). As
especiarias dão sabor ,salientam o paladar, diferenciam iguarias :
se a acidez é excessiva corrige-se com adoçantes ou mosto - dai o
agridoce. A acumulação de ingredientes e especiarias-tem função
de correção dos aliments,segundo o mouroRazi ...
Cozinhar-cozer-tem pois
como função primeira-tornar alimentos mais digestos . De facto a
cozinha nasce e convive com o receituario magico e a
farmacopeia-(herbarios) com sua utilização ritual e simbolica...
receitas relacionadas com a saúde- a que Bruno Laurioux chama a
“cozinha medicinal” ...No sec XIII surgem obras manuscritas
contendo preceitos de saúde e de cozinha destinados á aristocracia
: como o Régime du corps de Aldebrandin de Sienne( 1256) que
recomenda as especiarias na condimenrtação das carnes para as
tornar mais digestas- a digestão é uma cozedura
corporal…(enquanto os alimentos vegetais são de dificil digestão
para estomagos nobres) …
A condimentação tem
função de corrigir os vicios dos alimentos…alimentos humidos como
a carne de porco levam mais sal, alimentos secos e delicados como
galinhas e perdizes-levam pouco sal…
Assim através dos
condimentos, se aumenta a bondade dos alimentos . Mudando o sabor de
um alimento, modificava-se a sua natureza...segundo se julgava na
época...
Barthelemy, o Inglês,
defende em seu quadro de sabores, que estes ordenados por suas
qualidades(quente,temperada,fria ) ... são transmutáveis nos que se
lhe seguem, por acção do calor...pela cozedura...
Como exemplos destas
transmutações : os frutos verdes de sabor acerbo ou acido adquirem
por acção do sol ao amadurecer um sabor doce ou gordo...por sua
vez, o mel de sabor doce, toma um sabor amargo ao caramelizar por
acção do fogo.
Entende-se na época, que
tudo o que alimenta veramente tem em si pelo menos um pouco de sabor
doce...portanto moderadamente quente.
As substancias que apenas
tinham sabores frios(acerbo,acido) ou quentes(acre,salgado) não
podiam servir de alimento,mas apenas de medicamento e/ou condimento.
Por isso-uteis para equilibrar o sabor ou temperamento dos alimentos
demasiado frios ,demasiado quentes ou insuficientemente doces...
cozinhar é também e afinal uma operação de adoçamento...
Os gostos ou repugnâncias
sáo fisiológicos...caracteristicos do temperamento de cada
um...Assim, cada um devia comer segundo sua natureza ou humor
dominante.
Daí resultava que no
serviço medievo á mesa colocavam em simultâneo, defronte dos
convivas varias iguarias ,das quais cada um escolhia segundo seu
gosto ou temperamento...
3- Onde se fala de um
“fogo lento” experimental...
- A cozinha evoluiu num
tempo lento: Não o dos tachos mas o da história... o tempo longo
das estruturas, de que fala F.Braudel.
-há receitas fixadas há
seculos na sua forma e interpretação- as maneiras de se alimentar
inscrevem-se tb nesta teoria da longa duração...
Observa-se que entre os
sucessivos receituários há ligações,encadeamentos,analogias que
transcendem as épocas...
Assim podemos dizer que
há uma certa continuidade, na baixa idade Media, concretamente do
Duzentos ao Quatrocentos, que é o periodo em que incide esta longa
demanda na tentativa de demonstração da cozinha monastico-cruzada e
cortês, contemporanea dos cavaleiros templários (à falta da
original e própria)...
Desde o sec XIII, aparecem
livros de cozinha em toda a Europa . Do Trezentos são conhecidos,
integrados num codice terapeutico atribuido a Mondeville -físico de
Filipe o Belo!(ligado aos templários,pelas piores razôes...) 3
manuscritos de receitas: Enseingnemenz,/franco, Tractatus de modo
preparandi/monastico e Liber de coquina/toscano, além de um
rolo-único sobrevivente no género-pertencente ao bispo de Sion e
mais tarde copiado por Taillevent no Viandier...
O receituário é
apresentado em geral sem as proporções dos ingredientes. Se se
pretender fazer uma actualização , há que ter cuidado na
interpretação das receitas medievais : ter em conta a natureza
épocal dos ingredientes, utensilios ,termos empregues para os modos
de cozedura,
Sabores e aromas são de
reconstrução dificil…principalmente atenção ao paladar-não
muito estranho-cozinhado de forma aceitável para a época- (deles e
nossa...) um certo equilibrio no doseamento das especiarias, para não
causar enjoo, devido a elas serem omnipresentes do primeiro prato á
sobremesa... em suma: trata-se de um desafio experimental e histórico
em que é preciso provar ,alterar e misturar de novo, até que o
palato,o olfacto e a intuição...ditem a obra alquimica
comestível...o sucesso requer alguma experimentação!
No que respeita `a
composição dos menús, observa-se que há varios serviços.
dois,três ou quatro, por refeição, mas dentro de cada um desses
serviços, figuram varios pratos justapostos e não sequenciais, dos
quais os convivas escolhem um ou dois.
No serviço franco que
estrutura a refeição gótica , os assados (peças
inteiras,recheadas, postas no espeto e finalmente trinchadas á mesa)
situam-se sempre no centro da refeição, sendo precedidos pelos
potages(leves ou grossos) e entradas ( charcutaria,frutas frescas) e
seguidos pelos entremetz e sobremesas,depois de levantar as
toalhas...(vide Menagier)
Mas não se trata de um
esquema rígido. Os vários serviços podem afinal ser percorridos
por potages/cozidos e patés...tal como pela mistura
salgado-doce...(os sabores doces só são reservados á sobremesa a
partir do sec XVII)...
Na sua origem, os
entremets (literalmente: as "entre-iguarias") são
servidos entre uma iguaria e outra , enquanto os convivas esperam
pelo próximo serviço . Podem ser comestiveis ou um momento de
música ou momos...
Algumas Referências
Históricas sobre Menús :
REGIMENTO de 1258- 2
viandas(carne ou peixe) adubadas , sendo uma de 2 guisas(modos)
-A todos os freis-2 pratos
de vianda à escolha- art, 185- Regra da Ordem do Templo.
- Refeição de
S.Luis-1234-Sens-Quaresma --cerejas c/pão trigo branco,2-favas novas
cozidas em leite, 3-peixe-enguias em filetes e grelhadas,lagostins
,empadas, requeijão, 4-arroz em leite de amendoa perfumado
c/canela=manjar branco, 5-fruta de epoca.
- Abade laguy a seus
confrades- -1378
1- entrada - vinho ,
coscorões, maçã cozida , figos e cerejas
2-prato c/molhos, peixe
cozido ou grelhado ,carne assada, caldo cereais
3-
conservas/compotas-confeitos bolos/fritos -frutos secos, empadas,
-
Locais templarios :
- Fonte Arcada-1144-
visita do bispo porto-3 carneiros ,2 leitoes ,4 cabritos ,4 patos,
12 galinhas, 2 puçais de
vinho, 2 onças de pimenta ,alhos, cebolas, pão trigo,
0.5 alqueire de manteiga
e 40 ovos.
-Soure- 1295-o mestre dá
aos cónegos visitantes- 1 carneiro esfolado, 16 frangos,50 paes
trigo,1 almude de vinho.
D.João I-no Rossio:carne
assada,confeitos de erva doce e amendoa,cidrões e cerejas
Menus/rações monasticos
:
1- - Cluny-sec 12-costumes
de Ulric
2 refeições todos os
dias.- com reforço nos dias de festa…
Almoço- 2 pratos de
legumes cozidos –1 libra de pão-1 hemina de vinho, mais suplemento
ou Pitança- 3º prato de frutos e legumes
Come-se em silencio,
escutando leituras edificantes-comunica-se por sinais..
2- Abadia borgonhesa- dias
especiais- refeiçoes extraordinarias como nos palacios…
Sopa de legumes
substituida por pratos de carne e uma torta com ovos- sec
Vinho temperado com mel..
sec 12
3- Rações mosteiro de
Corbie/França- Em Corbie, , cada irmão recebia diariamente 1,700
kg de pão, 1,5 litros de vinho), cerca de 100 gramas de queijo, 230
gramas de legumes secos (favas ou lentilhas), 25 gramas de sal, um
grama de mel e 30 gramas de gordura animal./toucinho .
4-Menu de Pombeiro: - 2
pratos de alimentos guisados (peixe ou carne de aves)…
-1 prato de legumes e /ou
frutos (cozidos ou frescos) conforme a época
COZINHA CATARA- FIM DO SEC
13
Aves de
capoeira-galinhas ,ovos-, gansos, carneiros e ovelhas, flancos de
porco salgado ou fumado- gelatina de trutas, peixe frito em azeite,
- empadão grande para os bispos..
Comendas Templarias
catalãs -visitações de 1289: Dispensas :
Em MONZON-250 carneiros
para a mesa do castelo.- Em-CORBINS-8 porcos e 2 leitões
Modelo alimentar Nobres-sg
Livro de contas da Catalunha-sec XII :
--Carnes
finas-galinha-frango-capões e gansos/criação.
Tb
carneiro-porco-cordeiro. Ausencia de produtos de caça
4- O Templo como
catedral do convívio gastronómico!
-Desde sempre a Mesa é
um lugar de partilha e convivio, reunião ritual- de integração /
identificação na comunidade- expressão de solidariedade basica de
grupo. Onde se celebra o prazer da refeição tomada em comum.
Entre comunidades
monasticas é celebração da continuidade dos laços entre irmãos e
evocaão crística - ou aquando de uma iniciação/recebimento de
cavaleiro na Ordem um autentico festim liturgico...
Estando a ordem repartida
por toda a Europa e Oriente, pretende-se apresentar uma cozinha
ecuménica das regiões templárias...para o que buscámos para além
do receituário franco já referido, os seguintes do Trezentos : Sent
Sovi/Catalunha- Form of Cury/Inglaterra- Guter Spise/Alemanha- Libro
di cucina/Italia e ainda ,mais tardios, os nossos “Livro da Infanta
D.Maria” e “ Caderno do Refeitorio” (Alentejo).- além de uma
colectânea franca de receitas de albergarias cruzado-templárias.no
Oriente.
Sabendo por outro que a
pitança é melhorada em dias de hóspedes ou festivos, comno manda a
regra de S.Bento, selecionámos uma data , cerca da qual se terá
realizado a admissão de um cavaleiro (o sobrinho do Mestre João
Fernandes ,segundo uma testemiunha de inquirições dionisinas) .
Aliter , consideramos também a presença real D.Dinis e Isabel (
habitual na região) de modo a elevar ainda mais o nivel da festança
e aproveitando para fazer pedagogia da separação de mesas por
categorias sociais na época...
Em conclusão, visamos
evocar prazeres ancestrais, viajar em direcção a um tempo dourado,
imergir completamente na época , através de uma ementa recheada de
sabores...assaz de iguarias de desvairadas maneiras de
manjares...onde tudo se praticará com a devida moderação,de sorte
que nem pareça miser nem respladeça prodigalidade fantástica,.
tudo cum excelentisimo grau de bondade e perfeição... um vero
conclave iniciático na sabedoria templária!...
Eclesiásticamente,
situamo-nos no temporal entre o papa Martinho IV(1285) e o papa
Bonifacio VIII (1303) o que em termos de gostos alimentares pessoais
significa viajarmos das enguias ao Cordeiro.. ou semelhantemente em
termos de espaço, peregrinar entre o Pranto de Dornes e a Aleluia de
Cem Soldos... tudo no termo de Thomar...
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