26.10.14

III - Afinal,quais são as origens e o que representa Santa Iria ? (Conclusão)

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3- Acerca da doação do rei Afonso aos pobres de Thomar...
(excertos de O Mestre Templario na Fundação de Portugal
 
Quanto ao rei Afonso,pode agora descansar um pouco, reconhecido o seu reino pela mais alta instância ocidental da época - a Santa Sé- e porque a idade já lhe pesa, faz 
redigir o seu testamento ainda neste ano de 79.
Deixa grandes somas de dinheiro para as obras pias: entre elas, 1.000 marevedis para os pobres de Tomar e outras localidades da Estremadura. Deixa também à Ordem de cavalaria de Evora, 4.000 maravedis para defesa da cidade,além dos  animais e mouros que o rei tinha em Santarém e Lisboa...
Ora a referência à pobreza em Tomar, não se conhecendo grande crise agricola ou climática na época, só pode ser a confirmação do grande acréscimo populacional da região - excesso mesmo de candidatos a povoadores vindos do Norte - nem todos seenquadram facilmente nos sesmos em distribuição, constituindo uma camada marginal à espera de melhor sorte... O desiquilíbrio próximo entre recursos e população, será terreno próprio para propostas messiânicas que hão-de chegar com os “fraticelli” ao Vale Bom e Ceisseira mais tarde. Talvez porque as zonas de arroteia e de sequeiro não fossem suficientemente favoraveis à frutificação, cria-se no termo da vila uma zona de insegurança que vai perdurar. Daí que Gualdim querendo fazer justiça ao povo, agrave na prática as penas para os ladrões no termo de Thomar , cuja existência o segundo foral dado já prenunciava...

 E correndo rumores de maus tratos a viajantes nos caminhos, breve nascerá mais uma estória de martírio nos arredores: Santa Cita (regionalização popular de um culto pregado como exempla, pelos franciscanos e com origem em Luca/Italia, onde esta criada de um tal Fatinelli , foi modelo de virtude e trabalho e depois de morta, padroeira da justiça, segundo Dante). A expressão última dos problemas miticizados na região, talvez se encontre na trova 237 do rei Afonso o Sábio que canta uma mulher que indo no caminho de Santarém para Leiria, é atacada por alguns salteadores que a tomam pelos cabelos, querendo satisfazer seus desejos nela, ao que ela se defende, perante o que a desnudam e degolam e escondem seu corpo sob arbustos. Coincidentemente: a lenda de S. Cita local ou o brazão em quarteis de Tomar, que mostrava uma S. Iria degolada e seu corpo sob uma árvore ... Significativo se atentarmos a que já perto de Leiria, em Reguengo do Fetal aparece uma nova morada de S. Iria, na tradição local... À luz deste último dado, somos levados a pensar que, à semelhança de um distrito de Iria na Galiza, estamos aqui perante uma nova região de Iria: toda a região centro-norte estremenha (de Sant’Iria, al’Iria) que inclui Santarém, Tomar, Cova de Iria, Leiria... com todas as conjunções que isso possa implicar! E voltando , ainda uma vez e última, à estória de Iria : há contudo outras contribuições mais ou menos visíveis ,estas com origem nos tempos da Hespanha moçárabe. Para além do breviário de Évora - contendo a versão fixada em definitivo - ter sido impresso em Sevilha (denotando uma ligação antiga), sabe-se que no final do milénio, os “Povos do Livro” no Andaluz viviam um tempo de coexistência: em que Fátima considerava Maria sua irmã, o monge Recesmundo servia de embaixador de Córdoba em Constantinopla,enquanto esta enviava um Mestre Mosaísta para as obras do califa... Tempo este, em que se forjou também a estória xiita/fatimita do último Imã (o duodécimo ou o oculto)...


(S.Zita: 1212-1272 santa italiana de Lucca/Toscania, padroeira das empregadas domesticas. Logo após sua morte um culto popular cresceu a sua volta e expandiu-se por toda a Europa) 


Vejamos agora os pontos de contacto da versão árabe (referida por Moisés Espirito Santo) com a estória de Iria :


 • No século IX (868)uma rapariga cristã (cativa) da fé de Bizâncio, medita à beira do rio, sobre uma carta-mensagem escrita em grego... Tal como aqui, Iria, freira, medita a palavra de Deus, à beira do rio, no mosteiro godo de influências orientais.
 • O sobrinho do imperador é seu pretendente, mas é rejeitado e desmaia: ela jura não se casar com mais ninguém a não ser o “escolhido”..Aqui,o filho do governador (Britaldo) seu pretendente é também rejeitado e adoece, Iria jura não ser de mais ninguém a não ser o Filho de Deus.
 • Presságio funesto:os idolos e colunas do paço são quebrados, há um declinio da religião existente a favor de outra nascente - o Corão... Aqui,Remígio, o monge godo assediador de Iria, imagem, da degenerescência da igreja goda, finalizando pela invasão dos homens do Corão,que destroem o paço do governador e seus templosarrasando tudo.
 • Na “noite do destino” um véu a cobre, enquanto a poção (beberragem) da união faz o seu efeito, tornando-a grávida do último Imã...Aqui,às matinas - aparecendo como que grávida, por efeito da beberragem de Remígio - Iria une-se a Deus pelo martírio (a mando de Britaldo despeitado)...e é lançada á agua.

 Do exposto,afigura-se-nos a presença de uma certa memória sincrética na fixação da estória de Iria, pois que a Espanha moçárabe estavaaberta á influência do mundo islãmico.. E sem dúvida, memória mais próxima ,do que aquela outra de Tessalónica que afirma Iria exposta em casa de prostituição e depois morta na fogueira, por se recusar a fazer sacrificios aos Deuses pagãos no ano 303, penúltimo de Diocleciano. Este ano serve de “marca” ao início de um novo ciclo de oito anos de perseguição aos cristãos; mas segundo Lactâncio - um cristão coevo - a repressão é moderada, tomando um carácter mais genérico de fecho de igrejas para corrupção dos crentes) e queima de livros sagrados... Aliás esta ligação ao fogo ou água, das duas estórias de Iria, revela porventura uma cristianização de cultos pagãos, mesmo pré-romanos. Efectivamente é conhecida da antiguidade uma estatueta de Eirene com uma criança pela mão: Pluto, Deus das riquezas. Segundo a mitologia, Eirene é filha de Jupiter (origem do raio, logo do fogo) ou Neptuno (Deus das águas).E,tal como Fortuna ,(encontrada no conventus scalabitano)é uma Deusa soberana, protectora da terra: daí as várias Eiren assinaladas em terras da Galecia. Em medalhões, Fortuna é representada tendo a seu lado uma árvore e aras com fogo:A Iria grega é sujeita ao fogo...A Iria lusitana representa-se com uma árvore (em um dos quarteis do selo)... Mais: a Fortuna de Servio Tulio tinha a sua festa em Abril(tal como a Iria grega), enquanto a Fortuna da era de Augusto, tinha sua festa em Outubro (tal como a Iria lusitana)...

 Significativamente a sua associação às águas –no nosso caso, o corpo transportado pelo rio da lenda medieval- acaba por fazer ligar, ao rio de Tomar, o epiteto de Nabão ( Nava de Juncoso ) derivação de Nabiae, a deusa (pré-romana) que mora nos rios e é condutora dos mortos ao mais além, segundo a religião celta... (Coincidência significativa: também na região de Burgos, no vale de Losa, há um rio Nabón ,que segue paralelamente a uma estrada que nos conduz a uma igreja templária , dedicada ao mártir S.Pantaleão,e cuja fachada ostenta uma iconografia ligada á lenda do santo Graal)... Aqui perto, na zona de Pedrogão Pequeno/ Sertã há uma pequena capela nas margens do Zêzere onde existe uma ara á deusa Nabiae e onde durante séculos até recentemente, o povo invocava a Senhora das Águas Feras (revoltas/férteis) para aplacar os excessos das enchentes devastando as culturas marginais ou quando queria atravessar simplesmente o seu curso turbulento. Ali se encontra aliás uma das maiores colecções de estelas funerárias templárias da região central ou do san’Graal... A via romana de Emerita foi fonte de irradiação do culto a Nabiae.


Por outro lado a evidência de certos ritos funerários na chamada Gruta dos Ossos – aqui a duas léguas da cidade, nas margens do rio – tal como o culto guerreiro a Mars ou os Touros Votivos, são também marcas comprovando a presença na região dos cultos pré-romanos. Efectivamente, á entrada dessa gruta/necrópole estão dispostas em forma de crescente lunar(lúnula) uma série de cabeças...significando este culto, descida ás profundezas da terra,uma identificação com a terra-mãe, esperança de fertilidade,eterno retorno, ressureição, como o papel das Horas/ estações , a que Iria pertence. Curiosamente em El Padron, antiga Iria galega, há também uma ara cujo radical sugere Nabiae, o que considerando ser ali junto a Compostela, que passa o rio Tambre (Thamara), será outra coincidência significativa...

 - Adendas sobre a hipotese de cultos Isiacos


(Procissão á deusa Isis - Pintura de Frederick Bridgeman /1902 )

 No antigo Egipto, Isis, a deusa dos mil nomes, a que concedia a cevada e o trigo, era cultuada através de uma procissão de crentes: na frente ia o chantre com o simbolo da música, um livro de hinos teológicos e outro de regras de conduta; seguia-o o horóscopo com o símbolo da astrologia - um ramo de palmeiro- e os quatro livros herméticos sobre os astros; após o que vinha o Escriba sagrado, complumas na cabeça, na mão a régua ,o tinteiro e a cana para a escrita hieroglífica; depois o Estolista com a vara da justiça e a taça das libações;finalmente o profeta com sua túnica, em cujas dobras leva a Urna sagrada exposta. Acompanhando os ministros da classe superior, seguem-se outras classes de fieis, como os pastophoros ou curandeiros e os que levam os pães.
 A propósito dos pães em procissão - é bom lembrar - que a região de Sellium (hoje Tomar) se integrava no tempo dos romanos em plena rota isíaca para Emerita, onde descansavam as legiões; há referências, pelo menos em dois lugares, nessa via a aras votivas dedicadas pelas sacerdotizas romanas de Isis : em Tucei e Cabrei (vide Hubner, CIL II ) . Podemos pois dizer que haveria aqui também um culto isíaco ( a que nao serão estranhos portanto os pães dos Tabuleiros, como nas festas de Isis) ...não será por acaso que quando fizeram o convento da S.Iria conservaram uma lapide com uma vaca (das varias que aqui se encontraram) e a colocaram por baixo da imagem da santa sobre o rio...a vaca simbolo de Isis...lá continua como memoria visivel...(tal como em Braga ,a Sé local era antes um templo a Isis )...

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