Finalmente ,
é o ano da passagem para a glória - do Mestre Gualdim, o cavaleiro
ideal, que agora abandona o seu posto, mas para ser levado ao
sepulcro. O arauto do Soberano-Rei é chamado para a fruição da
eterna Luz !...
Morre
um herói aqui, nasce um Santo noutra parte ... pois que,
coincidência significativa, este é também o ano em que nasce
Fernando de Bolhões, descendente de Godofredo de Bolhões
(=Bolonhês) , o
primeiro cruzado da Palestina, há um século atrás, onde fora
nomeado Protector do santo Sepulcro e seu irmão Balduíno de
Bolonha, o primeiro rei Latino de Jerusalém.
Estamos a falar do futuro S. António de Lisboa,
discipulo de Assis e evangelizador ecuménico, novo astro rutilante
que se anuncia, batendo-se por uma igreja universal. Se Gualdim foi o
monge que rezava com a espada, António vai ser aquele que luta com a
Palavra...
Este é
também ,significativamente, o ano em que morre outro grande
cavaleiro: Henrique,o Leão, (casado com Matilde, filha da famosa
Aleanor de Aquitânia) e fundador de várias cidades teutónicas,
como Munique em 1158 e de castelos como o de Dankwarderode(1173) em
Braunschweig, cuja catedral de S.Braz tem pinturas bizantinas
ordenadas por Henrique....
Em
Outubro... nasceu já o outono, aproxima-se o Advento. 13 de Outubro:
é o dia exacto em que morre o Mestre do Templo português, Gualdim
Pais; data altamente significativa, porque será também a mesma data
(13 Outubro) aquela em que morrerá posteriormente a própria Ordem;
mais concretamente o dia em que em França (1307) toda a Ordem será
presa e desarticulada, por instigação do tenebroso Filipe o Belo.
Acompanhemos pois , os seus últimos momentos e o ritual do seu passamento.
No seu
leito da Torre de Menagem, vestindo simples camisa de linho, agoniza
agora o vencedor de Almansor, convivendo com os seus. . Os mais
chegados são D. Lopo Fernandes, o seu lugar tenente, que segura uma
tocha na mão, e o frei capelão de Sta. Maria, de branca sobrepeliz,
com o livro das Encomendações.
E feitas as
derradeiras orações, seguidamente o frei capelão, lhe faz o sinal
da cruz sobre os olhos e sobre os lábios, oteando-o com os santos
óleos, invocando a ajuda de S. Tiago: “Sede Senhor, de vosso povo
a santificação e o guardião. Que graças à protecção do vosso
apóstolo Santiago, ele vos seja agradável em toda a sua conduta e
vos sirva em espírito sereno”.
Cantam-se
salmos e recitam-se as jaculatórias, enquanto o preparam. Gualdim,
num supremo esforço, ergue-se um pouco, estendendo ao alto a sua mão
direita (enluvada de branco) em sinal de menagem ao Senhor, ao que
acorrem os cavaleiros a dar-lhe a cruz para beijar.
Refrescam-lhe
a fronte com água de rosas…Nesse momento, alimenta já em seu
coração ,uma nostalgia dupla : a de seu passado,pela Jerusalém
terrestre e…a de seu futuro, na Jerusalém celeste…
Aproxima-se
o fim. Cobrem-no com um manto branco da Ordem. Apressa-se a
encomendação da alma, redobrando as jaculatórias e orações. Ao
“Proficiscere, anima christianna” o frei capelão recolhe o seu
último sopro.
A face extática do mestre anuncia já a chegada do
Arcanjo em turbilhão de luz pela janela norte para o ajudar a passar
transfigurado, à Jerusalém Celeste. Liberto da prisão que é o
corpo, ascende já à planicie da verdade, seu espírito. Reune-se
assim aos Eleitos, no Vergel do Cordeiro. Enquanto um suave odor
inunda a sala...
De imediato,
o alcaide manda apregoar o acontecimento num espaço de 5 léguas em
redor, enquanto o tangedor de campana vai ao serviço, grave, fazer
três sinais, repetidos.
Breve, se
encherá a alcáçova de cavaleiros e clérigos.
O
tesoureiro recolhe os seus objectos (o selo com bola e a bolsa) que
pertencem à Ordem, segundo a Regra, enquanto ordena que adquiram
para seu enterramento tudo o que seja necessário, em pano, cera,
incenso, pão e vinho.
. Para as
honras fúnebres propriamente ditas , ordena uma missa oficiada e as
matinas dos mortos e ladainha cantada...
.É
decidido sepultá-lo com todas as honras devidas ao cargo, na igreja
de Sta. Maria, bailia do Templo.
Organiza-se
então a solene procissão do enterro do Mestre. Postos todos em sua
ordem - conforme ao cargo e à idade - saiem já a Porta de Santiago,
com muitas tochas.
À frente o
monge cruciferário a pé, com sua cruz de Limoges levantada. Depois
os menestreis tangendo atabales e anafis. Seguem-nos, confrades de S.
Maria do Castelo, com suas vestes farpadas, de branco luto, com
campanas bem sonantes, louvando ao Senhor, em suas danças e
contorsões. Trazem círios, pão alvo e vinho... Logo atrás vem o
senescal empunhando a bandeira da Ordem, montado em belo cavalo
ajaezado, seguido de várias dezenas de cavaleiros em duas alas.
Magnificos
em sua alva túnica com a insígnia do sacrifício, sobre a cota de
malha. Trazem botas de couro com esporas reluzentes e vêm montados
em soberbos cavalos. A espada descansando na bainha, presa por
correia do lado esquerdo do cinto de couro. O manto branco esvoaçante
na descida...
Depois
quatro Templários, dos mais velhos, levam aos ombros em seu sudário
a descoberto, em padiola, Gualdim o Mestre, precedendo a clerezia da
Ordem, em sobrepeliz, dispostos segundo sua ordenação, com seus
círios de 2.5 palmos na mão e recitando o De Profundis, à saída
do castelo.
Descendo a
calçada serpenteante chegam à vila de baixo, atravessando a
Corredoura, ao cântico do Miserere, onde vilões se juntam fazendo
prantos (gestos dolorosos) depenando cabelos e rompendo faces,como é
costume.
Atravessada
a ponte, marcham para Sta. Maria. O sino de S. Pedro Fins dá cinco
golpes. Chegam finalmente ao portal da Bailia, onde a comunidade os
recebe em cruz levantada, entoando o Subvenite .
E
entram, ordenadamente em procissão, precedendo o turiferário diante da cruz, entre
tochas acesas, o caldeirinha e logo o deão de amito, alva e estola e
capa pontificial, seus ministros de dalmática, o portador do livro e
os demais freires, todos com círios em grande aparato.
Na essa, sobre um estrado baixo em frente ao altar,
se depõe o corpo do Mestre em seu sudário - onde se lançam cinzas
- em uma urna de pau, forrada a cetim vermelho, com folhas de
loureiro.Os braços sobre o peito e seu manto ostentando a rubra cruz grega, os pés contra o portal: preside ao seu último acto como Mestre Templário.
A seu
lado repousa aquela gloriosa espada que tanto fizera pela
cristandade. Em redor, quatro grandes círios montados em escabelos,
uma cruz de Limoges à cabeçeira, e o estandarte do Templo ,
pendente de branco dossel. Rezadas as vésperas do dia e dito o
Benedicamus Domine continua-se o ofício de defuntos com o salmear
ordenado para a ocasião.
Á
Antifona “Placebo Domino”... incensam-se os restos mortais...
Depois, no altar com seu frontal de chamalote e dois grandes círios
acesos, reza-se a missa de Requiem e tange-se de novo a campana três
vezes.
O acto
aproxima-se de seu término. Sobre a campa (no chão da igeja) que é
aspergida, segue-se a Absolvição, com o harmonioso responsório
Libera Me... E cerrada a caixa de pau, de fecho mourisco, se benze a
cova onde há-de descer, cantando-se a Antífona In Paradisum e
outras. Quando
a urna desce, lança-se sobre ela água benta dizendo “Hoje seja o
teu lugar em paz, e a tua morada a Santa Sião”... Finalmente em
torno da sepultura se faz o saimento ou procissão fúnebre , com
todos os vizinhos presentes, grandes ou pequenos, de cruz,agua
benta, incenso e círios, seguido de colação ou distribuição de
alimentos, como costume .
. Na
“Mesa do Senhor”, hoje corrigida por uma sobrinha do mestre, D.Estefãnia Pais Gabere , os pobres que aparecem são fartos de carne, vinho e pão em
canastras...
Os últimos
raios do sol poente descem sobre o local... anoitece... nada mais é
visivel a nossos olhos...entra-se no Invisível...
.
Diz quem
o viu pela última vez que no seu peito era visivel um sinal
perfeitamente definido, que tinha a forma de... uma flor de lys
!...Era esse afinal aquele sinal que o acompanhara desde a nascença
, como predestinado a grande iniciado na Sabedoria dos Eleitos...
Uma pedra
aprontada por canteiro, assinalará pelos séculos, o lugar onde o
justo dorme o sono eterno, enquanto o seu espírito é já a caminho
dos “resplendores da luz perpétua”... E elevando os olhos
lacrimosos Dona Estefânia a sobrinha viu uma pomba voando para o
céu...dela se desprendendo uma pena que ficou flutuando entre céu e
terra.....porque era leve o coração de Gualdim e grande o seu
Conhecimento...
Segundo
a Norma, durante 7 dias, todos os freires devem rezar 200 Pai Nossos
e os clérigos devem rezar 3 missas cada um, por sua alma. com
responso cantado sobre a sepultura, levando os clérigos as
sobrepelizes.
E durante o
ano , realizam sufrágios temporários por sua alma., com obradas ou
ofertas rituais de pão, vinho e cera , segundo o costume.
Anualmente ,
comemoram os monges o aniversário de seu óbito –com novo saimento
e celebração de missas – e em uma cerimónia chamada “salmo e
pão” onde os mortos se associam aos vivos em jantar evocativo ou
“prato do aniversário”, onde na mesa em seu lugar vago, se
coloca a sua ração com tudo o que à refeição se der, de acordo
com a sua posição na Ordem, como se estivesse presente...
A sua gesta
será gravada na pedra, nos vários castelos por si edificados:
Pombal, Almorol, Tomar.
Nós, pela
Graça , teu vizinho,
te saudamos
e damos esta voz:
Gualdim está
vivo! Sempre presente no meio de nós...
Em seu corpo
ou fora dele,como diria S.Agostinho!
E em
breve, por certo vai reaparecer
E de novo
o cerco no burgo romper
E trará
o Graal da Vida e do Pão
E
aplicará a justiça de Salomão...
Ao 3º
dia milenar...o Templo renascerá !
Façamos
uma colação solidária, em sua memória:
...
NÃO A NÓS, MAS A ELE, A GLÓRIA!
(Extraido do livro O Mestre Templario na Fundacao de Portugal,Ed. Esquilo,2011, cap.XXIV : Passagem)