No
princípio do ano da Encarnação de 1160 (ao tempo o ano
iniciava-se por alturas da Páscoa / Março) e decorrendo o seu
terceiro ano como Mestre, Gualdim Pais “ guardando o corpo em vida
de graça e permanente nas boas obras” decide começar a
construção do castelo de Thomar, escolhido o alto do monte com
maior declive para sul, frente ao rio.
A planta da fortaleza inspira-se no modelo justiniano, que Gualdim observara na Terra Santa, composto por três cercas envolventes de muralhas (perimetro externo 320m,flanqueadas por cerca de uma vintena de torrões e cubelos ) com sua alcáçova na cerca mais interna a norte, de formato pentagonal irregular, onde se situa a Torre de Menagem quadrangular,adossada á muralha,em posição de canto- uma novidade gualdínica em relação a castelos roqueiros anteriores - com seus três pisos . Será o Paço do Mestre, com sua porta resguardada ao nivel do 1º andar. Outro elemento novo: o Alambor ou escarpamento de pedras, defendendo a base das muralhas e torres contra ataques de sapa e minagens a toda a volta do castelo.
O conjunto, organizado como réplica da ordem cósmica, construido a
partir do modelo do firmamento : imagem especular da constelação
de Bootes , o Pastor celeste guardando a alcáçova pentagona,
sobre cuja torre de menagem, vigia a estrela Arcturo…o lugar
real, morada do Mestre iniciado dos cavaleiros.
Aliter,
simbólicamente ...a planta das muralhas , perfigura a quilha da
barca salomónica ou da barca solar egípcia, sinal da viagem
transformadora ,com inicio na Porta do Sol...tal
como se vê no céu egípcio dos Templos, os deuses vogarem em
barcas entre as estrelas do firmamento...vede o desenho dos
arquitectos e tirai vossas conclusões...
Na 2ª
cerca, encostado à cortina ocidental de muralhas, debruçada sobre
ravina de 15 metros, fica o oratório circular dos cavaleiros:
construção octogonal de altas colunas com seus capiteis
figurativos, arcaria apontada e baldaquino, memória de Jerusalém,
tal como outras sedes do Templo em Paris e Londres,
iniciadas na mesma década (estas, sobre terrenos pantanosos e
planos,no limite das cidades) .Têm em comum um diametro de cerca de
20 metros...
A 3ª cerca
é reservada a habitação de colonos, desde sudoeste, em plano
descendente segundo o desnivelamento do lugar.
Por sua vez,
do outro lado do rio, junto às ruinas do velho mosteiro de Selio -
aproveitando as “marcas sagradas” daquele chão – decide
Gualdim reconstruir convento e igreja dedicada a S. Maria de
Anunciação, que irá servir de sede-catedral à Ordem
(contemporânea da “Notre Dame” de Paris).
Para o
conjunto importante destas obras, ordena o Mestre Gualdim a vinda de
obreiros da Galiza e de outras partes. Quiçá a colaboração de
artífices como mestre Roberto, que andando próximo na construção
da Sé de Coimbra, se deslocava amiúde a Lisboa - onde se construia
a sua Sé, também - passando por aqui, trajecto habitual, com seus
três mancebos e mulas de apoio. E aqui pousando da viagem, era
natural que desse os seus conselhos para estas obras.
Sabe-se
também, que trabalhavam na vizinha Coimbra, além de vários mestres
francos(da região de Auvergne) , mouros de Toledo vindos das obras
na Catedral de Tuy (artifices moçárabes, segundo o livro Preto).
Porventura também disponível o nosso único arquitecto românico
conhecido, que há cerca de uma década (em 52) terminara a 1ª sede
dos francos bernardos em Tarouca, de seu nome João Froilaz.
Aqui
trabalham mais de uma centena de homens, entre colonos
povoadores e artífices contratados, cuja origem diversa se reconhece
pelos sinais deixados nos monumentos. Assim, secções de muros em
longa fileira “acertada” de pedra, pavimentos de tijolo disposto
em espinha e a calçada de seixo rolado enquadrada por tijolos
verticais,a qual vem do lado de Africa desde o acesso exterior à
porta da Almedina até ao recinto dos Cavaleiros, são marcas de
pedreiros mouriscos. Porém em seu percurso, o arco pleno de largas
aduelas da entrada naquele recinto , tal como o 2º arco a meio
caminho, de passagem sob a muralha meio soterrada e alinhado com a
calçada , mostram ser puro românico nortenho .
Ora tal
alinhamento construtivo, aliado ao facto de nunca se ter encontrado
por aqui a marca moura característica- o capitel tipo
Córdoba,presente em Santarém- faz-nos pensar que calçada e arcos
são ambos coevos da época gualdínica (que foi aliás longa) embora
feitos por artífices diferentes , em fases diferentes (como no caso
dos 2 níveis da Charola). Para além de que o “saber construtivo”
perdura para lá da condição dos homens ( de livres a subjugados)
...é afinal o tempo longo da história...a continuidade e
interpenetração dos estilos. Efectivamente é um dado assente, que
na construção da Reconquista, pedreiros mouros fabricaram, até sec
XV, castelos e até capelas que ... nunca foram árabes!
Assim,
a Ordem de Aviz teve um mestre a fazer castelo chamado Mouro
Calvo e que aqui também teria familiares no termo: pois há memória
de documentos de herança ou
erdamentos na época, em nome de Calvo
,para lá das Algarvias...
Quanto à
existência de cerâmica e de silos, estes também são de longa
duração e utilização, atravessando épocas em continuidade,
apresentando larga diacronia (seria bom uma análise de eventuais
sementes encontradas, pelo método do carbono )...
Mas
o arco apontado na Porta do Sol é típico dos bernardos de Cister ,
região de influência arquitetónica dos francos borguinhões (como
na igreja de S. Lázaro em Autun, de 1132). Tal como a barbacã em
rampa curva e estreita (acesso em cotovelo), representa a técnica
franca do “caminho em fila”, obrigando o eventual inimigo a
prolongada exposição do seu flanco direito à chuva de setas vindas
das ameias...
Por
outro, a alta e estreita arcaria da Rotunda octogonal é marca
orientalizante, a que talvez não seja estranha a presença em
Coimbra, segundo uma tradição, de um artífice grego de seu nome
Ptolomeu…
(Este Ptolomeu é citado , em anotação , na obra "Portas e Arcos de Coimbra" do Gen.Martins de Carvalho,Ed.Biblioteca Municipal,Coimbra,1942.Na Charola é visivel que toda a concepção espacial,das colunas às frestas por cima dos arcos,releva da inspiração oriental-bizantina. Em Atenas,vede o exemplo da igreja da Virgem,coeva da Charola,de planta centrada e cuja fachada ostenta por cima da porta,em relevo na pedra,as cruzes associadas às Ordens do Templo e de Cristo!)
Naquele dia, em que o vento frio de Março, açoutava muros e homens, há um afã de todos nós na fabricação do castelo.
Uma
pequena multidão de jovens e velhos puxam por cordas ou com as mãos
, carros de cal e areia, braças de pedra calcárea abundante,.
Encosta acima, animando-se uns aos outros no esforço assim como às
bestas (mulos) que os acompanham. Mancebos esforçados cantando a
compasso, enquanto assentam alicerces em declive a sul; dúzias de
troncos marcados, escolhidos por medida pelos carpinteiros que
ordenámos os tomassem da mata densa de Ceras, para madeiramento
das casas; e logo anotados pelo monge encarregue do registo de
despesas.
No chão
amontoa-se a areia trazida do rio para argamassa, enquanto os
canteiros lavram pacientemente a pedra junto à alcáçova, sob a
direcção do mestre de pedraria,com seu bastão...
Monges
aos pares, segurando padiolas cheias de pedra arrancada às ruinas
romanas e godas (que fornecem muitas carradas) fazem o seu transporte
alegremente, entoando salmos e hinos à Virgem…E chegando ao cimo
o mestre construtor escolhe as quadradas e brancas, regeitando as
quebradas e escuras...Enquanto eu rezo os Padres nossos das Horas.
Ao fim
de dois anos e meio, os panos das muralhas estão levantados em
singelo sem adarves, com a urgência devida à ofensiva almôada,
nova dinastia árabe de invasores que acaba de chegar. Assim à
dextra de quem entra na Porta do Sol, fica o Reduto dos Cavaleiros e
a Alcáçova senhorial com sua cisterna abobodada subterrânea em
ângulo, com capacidade de cerca de 360,000m3
de água recebida das chuvas e vinda por calhas de pedra da Riba
Fria.
E sobre a
cisterna , levantarão , a cozinha e refeitório, edificadas em vasta
sala rectangular, com sua coluna central, donde partem em cruz quatro
arcos plenos em tijolo, a oriente.
E a poente
da alcáçova, outras câmaras, onde habitarão oficiais do paço.
No extremo
norte da Alcáçova ergue-se já altaneira a cerca de 20m, a Torre de
Menagem, dominando o vale.; onde - buscando talvez a sombra
protectora de Roma - se colocam à vista, em suas paredes, algumas
pedras significativas, trazidas das ruínas além do rio.
Aquelas
inscrições lapidares e dedicatórias que ali se podem ler (da
família Sabínola na face sul e da família de Valério Máximo na
face a nascente) são antes de tudo e , porque só naquela torre
principal colocadas, o respeito e o culto dedicado à velha arte
romana de construção, neste século XII, em que se procura
construir à romana: um tempo de arte românica...
Admitindo
que possa ter havido ali , mais antigamente , algum posto de
observação, comum em pontos altos, por certo seria de importãncia
reduzida (não nenhuma fortaleza equiparada!), devido a não merecer
qualquer referência na pormenorizada carta real de doação do
território de Ceras...e num caso destes, os castelos seriam sempre
mencionados, porque propriedade real mais importante.
O certo é
que, não se pode dizer que a torre de Menagem tenha por base algum
assentamento romano (basta olhar em um dos cantos para aquela
inscrição pétrea invertida,denunciando uma posição não
original) e portanto, a presença de material de aproveitamento não
significa (nem era forçoso) que provenha daquele lugar elevado!
- O mesmo se
poderá dizer quanto ás placas visigóticas, visíveis nas paredes
da mesma Torre , embora haja quem pense ter havido um deslocamento
da vera paróquia de Sellium ,para o cimo deste monte (por causa das
invasões bárbaras) mas então o que terão lá ficado a fazer, do
outro lado do rio, os mortos (enterramentos) encontrados para esse
mesmo período e até á Reconquista ?!... aliás, se o abade do
Selho oficiasse cá em cima (assim como Castinaldo) a própria
localização-memória do sítio e caminho ou direcção em que se
move Eyrea e/ou suas “tias” (em direcção a S.Pedro Fins)
deixaria de fazer sentido, internamente : na construção/invenção
da própria lenda!
-Junto á muralha norte , houve sem dúvida o Paço
antigo do casto Henrique, navegador, mas não o paço do Castinaldo
governador!...se bem que por baixo soterrados, se encontrem,
pavimento argamassado e muros de pedra aparelhada , não alinhados
com as paredes conventuais ,mas ali deu-se sem dúvida um
deslocamento tardio sim, da própria
muralha gualdínica: nesse lugar e adossado á muralha original de
Gualdim , ficava um dos torreões quadrangulares ou cubelos com
largura de 2.5 varas, flanqueando a muralha ali onde fazia leve
esquina , erguido sobre um monte de” boa piçarra “ (como era
costume noutros castelos de época, fazer esse aproveitamento da
elevação da Natura) ... aliás,se se conserva a memória escrita
deste monte natural de boa piçarra, qualquer fabrica
pré-ualdínica a existir ali, o teria destruído e portanto
converteria aquela memória posterior em algo impossível…(restam
os modos de fabrico diversos...para mãos diversas, nos 44 anos que o
novo burgo cristão intra-muros demorou a construir, segundo as
crónicas... aliás a existencia de uma mudança ao nivel da técnica
utilizada náo implica necessariamente a presença de uma ruptura
politico-cultural!).
-Quanto a artefactos ali encontrados, soterrados, eles “ocorrem a um nível arqueológico do sec XII” segundo comentário de M.J.Barroca in “Pera Guerreiar” …pelo que não podemos recuar meia dúzia de séculos na datação- dos achados …a menos que a estratigrafia seja de interpretação oracular…(sabendo contudo que até o carbono 14 pode sofrer dessa maleita, face à análise de materiais orgânicos, como na questão da “patine” acerca da datação do Sudario de Turim, mas essa é outra estória)…a questão central é a atribuição de estimativas relativas e não absolutas de datação…
(Ruinas da igreja da Almedina ,chamada de S.Maria do Castelo)
Eu, modesto porteiro abro-vos agora as portas desta Jerusalém terrestre para que vejam alguma cousa do bem e do belo que ali há… Irmãos esta casa é uma fortificação de Deus sitiada pelo inimigo, que tem para sua defesa as muralhas da continência e as torres da paciência. E tal como nos ensinou S.Bernardo, foi primeiramente construído em nossos corações ...(Relevando pois o seu papel de construtores enquanto cavalaria iniciática)...
E como se diz no seu sermão XXVI : aqui estamos tal como os guerreiros sob a tenda de campanha, tratando de conquistar o céu por meio da violência”!...
Para a esquerda de quem entra à Porta do Sol, fica o bairro ou almedina de artesãos e escudeiros e outros serventes de nossa Ordem, com sua porta de arcopleno entre duas fortes quadrelas de vigia, que permitem bem flanquear e dar um abraço de morte a atacantes. Sobre a porta e do lado de fora, inscrevemos na pedra a data do ínício da construção (1160) e uma cruz com uma rosa ao centro, marca do Templo ( tal como em Santarém), simbolizando uma nova vida, regeneração, ressureição em Cristo, para aqueles que penetram intra-muros... deixando a insegurança e o mal do mundo exterior.
E lateralmente ao nosso sinal – a cruz redonda- colocámos 2 simbolos...que são uma mensagem espiritual para descobrirdes...(Potencialmente signos astrológicos ou divinos-(o alfa e o ómega.)..Na porta sul da igreja da comenda de Fonte Arcada podeis ver ali a cruz inscrita dentro de um circulo, ladeada pelo sol e pela lua, conjugando poderes apotropaicos e escatológicos.)....
E ao
centro do castelo, ao fundo resguardada, a Domus Dei , no cimo de um
monte, o nooso oratório : oito paredes de arcaria em rotunda,
significando a eternidade, o infinito Deus, sem começo nem fim, como
o círculo. Construìdo à imagem da capela real de Carlos Magno em
Aix-la –Chapelle, o chefe do Sacro-Império e vero propagador do
canto gregoriano, da teoria musical dos 8 modos ou escalas diatonais,
conhecida entre os bizantinos , como “ Octoechos”...
Domus
divina...com 8 aberturas. Octógono de S.Ambrosio - lugar onde se
recupera a salvação… número das bem aventuranças para os
místicos, as 8 direcções da Beatitude ... octuplo caminho
esclarecido de Brama ou número da justiça Pitagorica…
Octógono
: pedra preciosa que irradia a suprema Luz…núcleo do Ser...onde
habita o Soberano-Rei… mediador entre o quadrado da terra e o
circulo celeste… simbolo de
regeneração, de passagem do efémero
ao eterno… Símbolo da Jerusalém celeste ou Empireo - a mansão
dos bem aventurados - 10º circulo superior de Dante…
Edificio
dos edifícios: centro da cristandade , à imagem de Jerusalém,
centro do mundo desenhado e considerado nos portulanos…
Memória
do Santo Sepulcro, na sua tradição de túmulo-relicário
(martyrium) donde emanam forças sobrenaturais - como aquela mão
direita (a guia), elevada, de S. Gregório, (o doutor capadócio) que
aqui colocámos ao centro, tal como a Arca da Aliança ao centro do
templo de Salomão, detendo os inimigos que hão-de vir, dando
protecção contra os infieis...
Quanto
aos capiteis figurativos em forma de cesto invertido, com imposta (à
maneira bizantina) que encimam as colunas do oratório : aquela
“disformidade formosa” nas palavras de S. Bernardo - cópia
paciente a cinzel de bestiários, ou comentário apocalíptico - um
quadrúpede com cauda de peixe ou os ferozes leões, atacando o
profeta Daniel, servem acima de tudo para meditação dos fraters ,
no seu caminho de iniciação, na sua sacra--via. Adões regenerados
sob as colunas do Templo, aos pés da cruz. Qual o vero significado
ou essência deles , explicaremos mais tarde, quando estiverdes
preparados...
Por
agora ficai a saber que quanto à forma são modelos que, tais como
os de Rates ou Rio Mau, nossos irmãos conversos trouxeram de
Compostela: leões monocéfalos ou o par de aves imóveis nos ângulos
de um capitel, assim como aqueles outros capiteis expondo o
território vegetal, também pertencem à
escola de arte galaico-coimbrã.
E feito
assim o alta-mor ou “centro” térreo da igreja com seu
deambulatório de paredes duplas e maciços contrafortes –
deixámos a construção de sua cúpula para mais tarde (como os
adarves nos muros...). Quanto a seu portal em platibanda com suas
arcadas sobre colunas ornadas são cópia da fachada ocidental da Sé
de Coimbra…