Um contributo para a história da Reconquista:
Acerca da vida e origens do ùltimo mestre franco templario no Portugal do séc XII
Na fachada da igreja da Alcaçova de Santarém sobre a porta está aposta uma inscrição que nos fala de um cavaleiro franco Hugo Martoniensis mestre do Templo em Portugal e de Pedro Arnaldo (morto na conquista de Alcacer do Sal em 1158) ambos sepultados nesta igreja fundada pelos templarios na sequència da tomada de Santarém aos mouros em março de 1147 no âmbito da Reconquista ; tendo sido libertados na altura os irmãos do Templo ali presos desde a investida de Abu Zacarias a Soure em 1144 que levaram consigo incluindo o cura Martinho Arias , entretanto desaparecido (morto em Córdoba, soube-se depois).
O Templo participa aqui decisivamente ao lado do rei Afonso, que em reconhecimento lhes doa o eclesiástico de Santarem. O que daria depois origem a uma contenda com o bispo de Lisboa Gilberto Hastings (inglês) apenas resolvida no final da década seguinte com a troca desta urbe pela região de Ceras mediante acordo bispo rei de fevreiro de 1159 confirmado por bula do papa Adriano IV (tb inglês)...
Aquela lápide que data o fabrico daquela igreja em 1154 demonstra ter sido feita portanto antes daquela troca realizada em 59 e mais : dá ambos como falecidos ao apelar para o descanso de suas alma (RIP) , deve pois ter sido feita nos anos 58/59 sg Mario Barroca (Epigrafia Medieval Portuguesa, vol II, 1995.)
Sendo a região de Ceras recebida pelo já mestre português D.Gualdim Pais , interessa-nos averiguar sobre os mestres ou procuradores francos anteriores entretanto presentes no territorio nacional. Segundo a lista ou catálogo de frei Bernardo da Costa, D. Guilherme Ricardo foi o primeiro procurador do Templo “com predominio sobre outros” desde a segunda parte da decada de 20 (26/28) ate 39 pois morre na batalha de Ourique (aonde o jovem Gualdim recebe as suas esporas de cavaleiro). E a partir desta data D,Hugo Martonio até 1156 , sobre o qual nos vamos debruçar enquanto charneira de uma época (anos 40 ) decisiva na formação da nacionalidade.
Recentemente em outubro do ano passado fizemos uma exposição documental sobre os templarios em Portugal em seu tempo e a evocação de sua memoria por nós realizada desde o dealbar deste 3º milenio, sob o titulo “As Cores da Ordem”.
Ora o primeiro quadro dessa exposição referia-se exatamente à irradiação dos templarios francos pela área iberica, mormente o territorio luso. E a quando de sua apresentação (13 outubro ) referimos que esta expo era , até pelo titulo sobre a foto da Alcaçova de Santarem - “Uma luz que irradia pela Europa” - memória de um outro momento em que soubemos da expo de 2012 em Troyes sobre os templarios em França “Templiers-Une histoire, notre tresor” durante o verão daquele ano , em que visámos estar presentes , mostrando a presença irradiante daqueles cavaleiros no Portugal de sua época.
Embora tal não fosse possivel na altura, dado que já estava tudo aprazado para o evento incluindo seu grafismo e conteúdos , tudo feito com bastante antecedência. Assim sendo não deixámos de ir visitá-la e acabámos sendo convidados a tomar parte no Coloquio de encerramento da expo em outubro 2012- com as consequências que se conhecem: podemos mesmo dizer que S.Bernardo pela 2ª vez apadrinhou a Ordem... Pois no 2º dia do coloquio que decorreu no mosteiro de Claraval , encontrámos um casal de entusiastas templarios (Valerie e François) que no seguimento de uma conversa informal sobre a hipótese de uma Rota templaria europeia, foram falar com a presidencia do Departamento de L'Aube ...e assim se iniciaram os contactos para o efeito!
Ora e voltando ao assunto : enquanto decorria a nossa recente exposição que esteve durante um mês presente na Corredoura em Tomar , deparámos na NET num site de arte (onde tb divulgamos a expo) uma referència a um castelo de Marthonie em França na zona da Dordogne. E esta referência onomástica levou-nos a investigar o assunto.
Que castelo era aquele e o que se nos oferecia sobre o movimento templário naquela localização à epoca?...
O castelo dito de Marthonie situa-se em St. Jean de Cole referenciado como lugar de ocupação templaria como muitos outros nas proximidades e sabe-se que embora na sua versão actual este castelo seja do sec XV houve originalmente outro no sec XII (destruido durante a guerra dos Cem Anos em França ) que tomara este nome por ter sido adquirido juntamente com terras ,segundo documento , por uma familia originaria de Milhac de Nontron mais a norte mas proximo , exatamente de um lugar chamado La Marthonie. (Fonte: Bulletin de la Société historique et archeólogique du Périgord, 1878,pg426 - vd BnF Gallica).
Houve portanto uma familia nobre em la Marthonie com varias ramos de apelido (documentados na região durante o Duzentos ) e que já existiria no século anterior por sua vária descendência (vide fonte anteriormente citada). Há ainda uma igreja (fortificada) de S.Martinho que é memoria local de pertença a uma comenda templaria (sem data referenciada) em Milhac de Nontrom. (Dordogne).
Esta região -a Dordogne - localizada no vale do Vézère ( com ressonãncias ...com o vale do Zêzere da nossa Ceras templária !) fazia parte à época do condado de Perigord e integrava a Aquitania .
Ora sabe-se que o condado de Poitou foi uma das sete primeiras provincias mencionadas na regra dos Templarios, e as comendas situadas na Aquitania faziam parte da provincia Aquitaine-Poitou , às ordens de um mestre de provincia, segundo Alain Demeurger in “Les Templiers ; Une Chevalerie Chrétienne Au Moyen Age”, 2008.
A questão é pois saber desde quando haveria essa comenda em Milhac?
Analisando a envolvência verificamos que a primeira noticia que temos refere-se à comenda de Andrivaux desde 1139 a cerca de 40 km de Milhac : “no ano 1139 Geoffroy de Cauze, bispo de Perigueux , querendo chamar os freis do Templo para sua diocese, da-lhes esta paroquia (Andrivaux) e establece-os no claustro abandonado...(igreja de St.Maurice) que se tornou o centro de onde os templarios se estenderam -irradiaram- por toda a provincia do Perigord” segundo a “ Histoire du grand prieuré de Toulouse et de diverses possessions de l'orde de S.jean de Jerusalem dans le sul-ouest de la france ...” de M.Antoine Du Bourg , 1883 (fonte Gallica, Bibliotheque nationale de France) Pg 521-522) o qual cita uma fonte mais antiga : a Galia christiana- obra beneditina da congegação de Saint-Maur, sob a direção de dom Denis de Sainte-Marthe, 1715 ).tomoII. Bispados de Bourges et Bordeaux.
E logo de seguida no inicio dos anos quarenta surge-nos indicios de uma comenda anexa em St. Paul de la Roche , a 35 km de Milhac e a 52km de Andrivaux .
Efectivamente numa nota à genealogia de Guy Flamenc de Bruzac ( Geneanet ) afirma-se que :
“Aux environs de 1140, Guy Flamenc de la Roche-Saint-Paul, seigneur du château de Bruzac (Saint Paul la Roche relevant de la seigneurie de Bruzac) fait don de terres et bois aux Templiers (venus en Périgord en 1138) qui édifient une commanderie, qui devient rapidement la plus importante de la région. Les seuls vestiges restants en sont la maison du commandeur de la commanderie, dite « Templars ».
Guy IV (1113-1148) et Adhémar IV (1110-1148), co-vicomtes de Limoges qui disputaient le territoire à Guy Flamenc, viennent l'assiéger en 1143, avec l'aide de Boson II (1110-1443), vicomte de Turenne (beau-frère d'Adhémar IV). Lors du siège de la commanderie de Saint-Paul-la-Roche, Boson II est tué d'un coup de flèche6. Effrayés, les deux vicomtes s'empressent de lever le siège et quittent la contrée”.
Encontrámos tb auxiliarmente referências a este cerco in “Nobiliaire de Limousin”, tomo 3, pag 581 ,feito pelo abade Joseph Nadal (1712-1775) assim como em Nicolas Vitor de Saint-Allais in “Nobiliaire universel de France ou recueil général des généalogies”, volume 14, page 186.(aqui quanto à sepultura desse Boson II a 21 dezembro de 1143) o que ajuda a situar a questão de St Paul la Roche nos inicios da decada de 40 portanto. Por outro sabemos que esta casa da comenda estava na rota de peregrinação a Compostela que passava no Perigord... De relembrar que para a mesma época (sec XII) e a 7o km a leste de Milhac se encontram os frescos templarios da capela de Cressac bem conhecidos.
Ora e o que tem toda esta região a ver connosco em Portugal ?
É sabido que foi em resposta a apelos da Reconquista iberica que D.Raimundo e D.Henrique vieram da França (Borgonha) com muitos outros cavaleiros naturalmente. E há noticia de que numerosas expedições partiram da provincia da Aquitania para defender os reinos cristãos em Hespanha e lutar contra os mouros .Aquitanie faz fronteira com Navarra e Aragão …acima fica a Borgonha/Champagne...Toda atraçao é feita pois em termos de Cruzada...
Ora acorrer a uma inquirição dionisina de 1314 para “demonstrar” as eventuais origens da chegada do Templo ao que seria Portugal na altura do condado...é que resulta bastante impreciso, sendo memorias desfocadas no tempo .Assim segundo inquiriçoes D.Dinis 1314 “ era fama e crença na terra que tendo o conde D.Henrique guerra contra os mouros os freires templarios vieram a elle e pediram-lhe mercê que os admitisse no seu serviço”, porém outros afirmaram que eles fizeram tal petição foi a el rei D.Afonso I -segundo copia do texto feita por Viterbo da “Inquirição dos usos , costumes e jurisdiçoes dos templarios...”
Torna-se pois abusivo fazer a invenção dos templarios no reino no tempo do conde D.Henrique que morre em 1212 quando ainda não havia sequer templarios desse nome em Jerusalem pois os primeiros ganham esse nome apenas quando o rei Baldiuno II em janeiro de 1120 no concilio de Naplouse lhes doa dependências suas na ex-mesquita de al-Aksa junto às ruinas do Templo de Salomão para sua sede ...portanto ainda não existia tal designação antes dessa data !
O mesmo quanto à menção de sua atribuida presença aqui na primeira metade da década de 20.
É a inexactidao documental de datas em copias alguns seculos posteriores que está na origem destes erros frequentes em documentos antigos devido à degradação dos mesmos, quando são transcritos não tendo em conta os calculos corretos quanto às datas e Era em que foram feitos.!
Assim quanto a documentos transcritos como sendo da primeira metade da decada de 20 , a realidade é que um deles (venda de D.Ejeuva Aires) é considerado por Viterbo de 1152 (e não 1122, derivado de um X aspado) e outros dois documentos são compras feitas en nome do “magister Ugonis “ que realmente foi mestre entre nós mas na década de 50 e não na década de 20 . Estão neste caso portanto os 3 primeiros documentos apresentados por P.P. Costa em Rev.Letras,Porto, 2013 , como sendo mais antigos : o segundo refere um frei Martinho Pais (tal como o primeiro doc) coevo de D.Ugo...e o terceiro (venda de Egas Soares ) data de 30 anos mais tarde segundo tb Viterbo (1155) tb no tempo e referência a D.Hugo! Trata-se afinal do nosso Magister Ugonis, assim mesmo escrito tb na lapide da Alcaçova de Santarem.
-Porque se haveria de considerar (como quer P.P.Costa) que se estava falando naqueles documentos do mestre Hugo de Payns que estava em Jerusalem na primeira metade da decada de 20 ?!
Ora deste , quando veio à Europa -apenas na 2ª metade dessa década- não há referencia de que viesse à peninsula ibérica , mas apenas a Italia, França e Inglaterra .
“ No outono de 1127 Balduino II e o patriarca de Jerusalem enviam Hugo de Payns e 5 de seus companheiros ao Ocidente para aí procurar ajuda” in “Hugues de Payns -La naissance des Templiers” pg 32 de Thierry P.F.Leroy . Sob a forma de recrutamentos.e apoios . Assim eles estão na Champagne no outono 1127, no Poitou na primavera de 1128, na Normandia Inglaterra e Escocia no verão 1128 e na Flandres no outono 28 , antes de regressarem à Champagne a tempo do concilio de Troyes (janeiro 1129) e em todos esses lugares recebem doações : do conde Thibaut II uma casa para sua sede, do conde de Anjou/Folques e no Poitou , assim como na Inglaterra e Flandres sempre doações..Vide “Le périple d´Hugues et la premiére vague de fondations” pg 40-44 da obra citada anteriormente.
Aliás naquela confusão documental ou “invenção” relatada anteriormente , é preciso esclarecer que as compras tal como os escambos são feitos pela Ordem num segundo momento depois das doações , para completar dominios . Além de que se constata portanto que a Ordem veio pois à Europa para procurar apoios - doações e homens - e não para ir às compras !
Aliàs as grandes doações ao Templo de D.Teresa circa 1128 de FontArcada e Soure- que se podem enquadrar naquele movimento global da Ordem pela Europa com balizas precisas: 1127/28 - referem procuradores concretos do Templo nestas partes : sao eles D.Guilherme Ricardo e D.Raimundo Bernardo respectivamente e sem alguma referencia ao tal magister Hugo (de Payns)! Ora , porque nas compras o procedimento haveria de ser diferente do das doações?!
Aqui no reino o citado Guilherme Ricardo será o organizador do Templo em Portugal (como se infere das palavras já citadas de frei Bernardo da Costa ) à imagem de Bernard Rolland enviado à Provence , referido por Simonetta Cerrini in “La Revolution des Templiers”,Paris 2007.
Portanto aquelas alusões a D.Hugo nas vendas referem-se pois ao nosso D.Hugo Martoniensis vindo da Dordogne provavelmente nos anos 40 quando o Templo aí é noticia irradiando pela Aquitania e continuando pela Iberia , com origem possivel numa familia ilustre de Marthonie (Nontron) – e certamente filho segundo- numa época que vai do desastre de Soure à sagração da Alcaçova de Santarem , em cuja lapide se refere exatamente como “magister Ugonis”...
Sobre a sua obra encontramos informações em Frei Bernardo da Costa sobre as campanhas em que este mestre tomou parte ao lado do rei Afonso” combatendo na conquista de Santarem e de Lisboa na reconquista de Leiria e nas correrias do rei por Castela”...Refere-se tb o cronista à grande quantidade de doações feitas à Ordem em seu tempo “ se copiassemos todas seria muito avultada esta História” in F.Bernardo da Costa -Historia da Militar Ordem de N.S.J.Cristo” 1771,Coimbra.
E acrescentamos nós : também muitas compras (a compôr dominios) como são exemplo aquelas 3 já referidas , recebe tb Longroiva em 45 , o eclesiástico de Santarém em 47 e funda a igreja da Alcaçova de Santarém em 1154. , sendo mestre até 56. Também em seu tempo a Ordem recebe a cruz pátea vermelha segundo bula de Eugenio III. (1147). Honra à sua memória !
Joaquim Nunes, C.C. da TREF